No mês passado, o CEO de uma trading europeia disse temer que a alta dramática dos preços de energia na Europa possa contaminar os bancos com exposição ao setor, criando uma crise sistêmica parecida com a de 2008. 

O relato, feito a um banqueiro brasileiro ouvido pelo Brazil Journal, aconteceu antes da Rússia fechar o que restava de fornecimento de gás à Europa.

Agora, o Velho Continente corre contra o tempo para impedir que sua crise energética se transforme também em uma crise financeira. 

Alguns analistas temem que a pancada nos preços seja o “momento Lehman Brothers” para as empresas de energia, segundo a revista britânica New Statesman – uma referência ao colapso do banco que derrubou o castelo de cartas da bolha imobiliária e desencadeou uma das maiores crises financeiras da história.

As distribuidoras contratam energia antecipadamente e mantêm em caixa apenas uma reserva financeira de curto prazo para cobrir a inadimplência e pagar as margens nos contratos de derivativos. Com a disparada nos preços nos mercados futuros, houve um aumento expressivo no pagamento dos colaterais exigidos – as chamadas de margem. 

Não se sabem os números exatos, mas estima-se que os pagamentos devidos atingiram uma cifra próxima de US$ 1 trilhão.

“Temos os ingredientes para termos um tipo de Lehman Brothers da indústria de energia,” afirmou o ministro filandês da Economia, Mika Lintilä. 

Especialistas do setor energético consideram, entretanto, a comparação inapropriada. As empresas de energia não operam em um mercado estruturalmente falho como era o caso da bolha especulativa do subprime. O que existe agora é o efeito dramático mas – espera-se – transitório de uma guerra. 

Os países mais castigados pela alta nos preços estão colocando em ação planos de ajuda financeira para as empresas atravessarem a crise. Mais à frente, elas poderão quitar os empréstimos porque terão o fluxo normal da receita dos milhões de contratos com seus clientes. 

A Alemanha já liberou 7 bilhões de euros num pacote de auxílio para as empresas. No Reino Unido, os empréstimos podem totalizar 40 bilhões de libras. Ações semelhantes ocorreram na Suécia e na Finlândia. 

Além disso, a European Securities and Markets Authority (ESMA), a CVM da União Europeia, estuda maneiras de aliviar a pressão sobre as empresas de energia, flexibilizando algumas regras de transações dos contratos financeiros. As medidas devem ser anunciadas nos próximos dias. 

Mesmo que não ocorra um tombo sistêmico profundo, autoridades e analistas temem que possa ocorrer a quebra de empresas perfeitamente saudáveis, caso a crise não seja administrada com atenção. Ninguém tem caixa para se defender dos petardos contra o mercado lançados por Vladimir Putin. 

“As empresas não têm um problema de solvência, elas têm um problema de liquidez,” resumiu o analista John Kemp à New Statesman. 

Até recentemente, a Rússia fornecia 40% do gás consumido na Europa. Com a invasão da Ucrânia e o corte no fornecimento, os preços estão hoje em torno de 10x acima da média registrada no mesmo período do ano passado. 

O gás mais caro pressiona os preços das tarifas de eletricidade. No Reino Unido, o preço da eletricidade no mercado livre quintuplicou em relação ao ano passado. 

Ao mesmo tempo em que busca proteger as distribuidoras de energia pegas no contrapé, a União Europeia deverá taxar os lucros excepcionais obtidos pelas geradoras que não dependem do gás. Os recursos, que poderão chegar a 140 bilhões de euros, ajudarão a bancar os subsídios aos consumidores. 

Muitos países, como a França e a Dinamarca, também decidiram congelar as tarifas da eletricidade.