Filho de mãe florista e pai comerciante, aos seis anos Felipe Rigoni teve uma infecção no fundo do olho que impedia sua retina de captar luz. Perdeu a visão do olho esquerdo dois anos depois. Em nove anos, foram 17 cirurgias, mas não teve jeito: aos quinze, o menino ficou completamente no escuro.

10523 bd4efbe4 314d 0045 0ba6 9f0c011f2dedA deficiência não impediu o capixaba de Linhares de se formar como um dos melhores da turma no ensino médio e entrar na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) – onde seis anos depois se graduaria como o melhor aluno da turma de engenharia da produção.

A cegueira também não foi empecilho para um intercâmbio de seis meses numa cidadezinha de 25 mil habitantes em Rhode Island, nos Estados Unidos, para aprender inglês.

Agora com 27 anos, Rigoni está partindo para o que talvez seja seu desafio mais ousado: enfrentar a apatia do brasileiro com a política e se eleger deputado federal pelo Espírito Santo, tomando o lugar de políticos profissionais num ano em que a esperança de renovação está dando a tônica da campanha. 10520 5a42dc02 126f 0000 0004 f8c2ca8823cf

Rigoni é filiado ao PSB, mas sua campanha é alimentada pelo Movimento Acredito, uma organização suprapartidária pró-renovação fundada por ex-alunos de Harvard. Progressista, o Acredito tem uma cartilha programática independente – baseada em valores como diversidade, fomento ao empreendedorismo e redução das desigualdades – e se uniu a partidos que toparam dar carta branca aos candidatos. (Além do PSB, os ‘novatos’ do Acredito sairão pelo PPS, PV, Rede e PDT).

Fã de desafios de lógica, Rigoni desenvolve os cálculos mentalmente, sem a ajuda de materiais em braile. Mas, para além dos números, descobriu um talento para gestão numa experiência empreendedora ainda na faculdade: foi presidente da empresa júnior de engenharia da UFOP e – ao descentralizar a gestão e dar mais poder aos demais membros do time – conseguiu multiplicar o faturamento de R$ 11 mil para quase R$ 200 mil, o maior entre as empresas juniores mineiras.

Virou uma celebridade no meio: presidiu o conselho da federação mineira e, logo em seguida, o conselho da confederação nacional de empresas juniores. A aptidão virou ofício: em 2015, voltou a Linhares para atuar como coach de desenvolvimento pessoal.

Esta não será sua primeira tentativa na política. Rigoni já se candidatou a vereador pelo PSDB de Linhares em 2016 – e não entrou por pouco. Frustrado com os tucanos conterrâneos, que não tiveram a benção para emplacar candidatos a prefeito nas duas últimas eleições, mudou de partido.

No último ano, se profissionalizou: está concluindo um mestrado em políticas públicas pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e participou da formação do Renova BR, a ‘escola’ bancada por empresários que prepara candidatos tentando seu primeiro mandato no Congresso e em assembleias estaduais.

Num país marcado pela polarização raivosa que remete à ‘cegueira branca’ alegorizada por José Saramago – uma epidemia inexplicável que deixa a todos sem norte – o jovem que não enxerga vê longe e quer impedir que aconteça o que o escritor profetizou na sequência, em o  ‘Ensaio sobre a Lucidez’: uma descrença pela política que esvazia as urnas e deixa uma nação abandonada à própria sorte.

O Brazil Journal conversou com o pré-candidato em São Paulo.

 

Como foi sua decisão de entrar na política?

Eu adorava ser ‘coach’. Quando as pessoas tomam melhores decisões realmente tem uma performance melhor e os resultados vem. Mas as pessoas precisam de um ambiente que lhes permita tomar as melhores decisões. Estou falando de oportunidade aqui – e para mudar o leque de oportunidades que existem no país, o único caminho é a política.

Onde o Movimento Acredito tem convergência e divergência com o Partido Novo?

Temos convergência na parte econômica, somos bem mais liberais que a maior parte dos partidos. A gente acredita numa economia com livre iniciativa, na desburocratização da atividade empreendedora, na integração entre governo, academia e mercado.

Não convergimos nas políticas sociais – até porque o Novo não se manifesta sobre isso. Eles parecem ser mais conservadores que a gente neste sentido. Acreditamos que existem, sim, heranças históricas que a gente precisa compensar e precisa ter políticas públicas que assegurem direitos que foram historicamente violados, principalmente com relação às mulheres, pessoas com deficiência, negros, e LGBT. A igualdade de oportunidade requer que exista uma igualdade democrática de relação entre todo mundo.

Neste mundo polarizado entre direita e esquerda, vocês parecem defender ideias dos dois lados. Como tem sido a recepção desta mensagem?

É difícil demais. Hoje em dia, parece que ou você é um fascista ou um esquerdopata. E é muito difícil para a gente que não acredita em ‘direita’ e ‘esquerda’. Tem coisas da chamada direita que são importantes, e da esquerda também. Não acreditamos no Estado mínimo ou no máximo, mas sim no Estado necessário de acordo com o momento do País.

Qual será sua plataforma de campanha?

Antes de mais nada, quero fazer um mandato compartilhado, dividindo meu poder de decisão com as pessoas. E a maneira como vou fazer isso é através de um conselho parlamentar, formado por especialistas e pessoas indicadas por instituições que representam diferentes parcelas da população. Serão até 100 pessoas para ajudar e efetivamente decidir planos de metas e o direcionamento do mandato.

Quero trabalhar em três eixos temáticos principais: combate à corrupção, combate à desigualdade e fortalecimento da economia. Quero acabar com os privilégios na política brasileira e trazer um governo mais eficiente, flexibilizar a máquina pública, torná-la mais responsiva à população, dar incentivos a resultados e não só a processos. Para combater a desigualdade, quero um foco muito grande na educação básica, principalmente de zero a seis anos.

E para fortalecer a economia, a coisa mais urgente é a reforma tributária e a desburocratização da atividade empreendedora. Viajando pelo Espírito Santo, eu converso muito com pequenos e microempreendedores e eles estão estrangulados, seja por causa do número de regras ou do tanto de imposto sobre consumo que tem.

Você tem uma história de superação, de quem não deixou uma deficiência te impedir de seguir em frente. Você traça algum paralelo disso com o Brasil?

Eu tenho uma história de superação, com muita ajuda — porque eu sempre tive muita ajuda na vida — mas também sempre teve o meu esforço para conseguir superar as dificuldades.

Eu acredito que o Brasil também tem essa característica, de passar por situações dificílimas e superar. Estamos passando por uma das crises mais difíceis da história do ponto de vista econômico. Mas a gente vai superar.

Estava na Inglaterra agora e as pessoas sempre me perguntam: “Você não queria ficar lá?”  Não, não queria, porque lá não tem brasileiro. E eu sei que é clichê, mas o brasileiro tem essa coisa de não desistir nunca. E é verdade. Na Inglaterra, se algo sai do planejamento, eles ficam loucos.  Quando vejo isso, eu penso: o Brasil só falta organizar porque dá certo demais, bicho. Só que isso depende das eleições, principalmente no Congresso.

Como será financiada sua campanha? O PSB entrará com algum recurso?
 
A minha campanha tem um custo de R$ 800 mil, que é o que calculamos ser o necessário para uma campanha competitiva no Espírito Santo, com a meta de conseguir 80 mil votos. O partido vai dar um pouco de dinheiro, mas ainda não sei quanto, acredito que não chegue a R$ 50 mil. Temos três focos de captação. Tem o financiamento coletivo, onde já temos uns R$ 15 mil. Tem também os empresários da região de Linhares e os de São Paulo, que são ligados à Fundação Estudar e à Fundação Lemann, redes onde temos contato. Conseguimos uma doação grande, de R$ 50 mil, mas precisamos de outras, estamos em 10% da meta. É um desafio muito grande, porque é a primeira campanha só com financiamento de pessoas físicas e elas ainda não têm a cultura de doar, de se engajar.

Há um clamor cada vez maior pela renovação política, mas sabemos que o sistema é muito eficaz em se proteger e evitar a mudança nos quadros. Qual legado você quer deixar na sua campanha, em caso de não ser eleito?

Estou tomando para mim a responsabilidade de comunicar  as pessoas da importância e – mais que isso – do dever cidadão de gostar de política. Como disse Platão, se os bons não gostam de política, são os que gostam da política que vão governar os bons.

Todo lugar que eu vou, eu digo: aquele WhatsApp que você recebeu dizendo que se 50% mais um votar nulo tem que fazer novas eleições é mentira. Tem que ir votar. Se só tiver gente ruim, vota no menor pior. O que não pode é se omitir.

Se você acha uma pessoa que você gosta e acredita na capacidade dela de fazer a diferença, você tem a obrigação cidadã não só de votar dele, mas fazer campanha, pedir dinheiro para a campanha, porque senão a coisa não muda. E, principalmente no Congresso, se não mudar, amigo, a coisa vai ficar pior ainda.

 

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