Apesar de sempre ter estado na oposição ao governo Lula, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) se reuniu diversas vezes nas últimas semanas com o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio e o Itamaraty.
O objetivo: criar mecanismos de defesa contra a guerra comercial promovida por Donald Trump.
A ex-ministra da Agricultura é a relatora do PL 2088/2023, que surgiu para proteger o Brasil das barreiras comerciais disfarçadas de proteção ambiental que alguns países europeus queriam impor aos produtos brasileiros.
Agora, com a eclosão da guerra comercial iniciada por Donald Trump, a senadora decidiu ampliar o escopo da lei.
Se aprovado, o projeto vai autorizar a Câmara de Comércio Exterior (Camex) a suspender concessões comerciais, investimentos e direitos de propriedade intelectual se um país ou bloco econômico adotar barreiras para prejudicar a competitividade brasileira.
Atualmente o governo brasleiro não tem respaldo legal para agir de forma independente em certas respostas a outros países – é necessário uma anuência do Legislativo.
“Mas isso não pode criar ainda mais tensão?”
Para a senadora, não.
“A lei funciona como uma rampa e não como uma barreira. Primeiro acontece o diálogo: vamos ter várias iniciativas antes de uma eventual retaliação,” a senadora disse ao Brazil Journal.
O projeto deve ser votado nas comissões do Meio Ambiente e de Assuntos Econômicos do Senado na semana que vem. A senadora prevê que tudo seja aprovado antes de 2 de abril, quando – se Trump não mudar de ideia – começarão a valer as tarifas recíprocas impostas pela Casa Branca.
Apesar da verborragia do presidente americano – que só citou o Brasil duas vezes até agora – a senadora enxerga oportunidades caso os EUA insistam neste caminho.
A seguir, os principais trechos da conversa.
Essa guerra comercial de Donald Trump é mais perigosa para o Brasil do que o protecionismo europeu?
Acho que os dois podem trazer problemas. A agricultura brasileira tem que estar preparada para receber ações protecionistas de ambos os lados. Mas podemos ter oportunidades caso os Estados Unidos sigam nessa guerra tarifária, pois nós disputamos muitos espaços com eles. Os EUA podem ter muitos problemas com a pecuária, já que a criação deles também passa pelo México. Se eles não reverem a taxação, por exemplo, pode ser uma oportunidade para o Brasil.
Já na Europa a competição é muito diferente. Os europeus produzem pouco e têm medo da eficiência do agro brasileiro. Eles têm subsídios que nós não temos, e mesmo com todos os problemas que temos no Brasil, somos mais eficientes. No acordo entre Mercosul e União Europeia deram cotas tímidas para nós e fizeram uma reserva de mercado.
O Brasil está preparado para as barreiras protecionistas?
Hoje nós temos só a Câmara de Comércio Exterior como uma proteção. O PL que estou relatando já tem conversas lá de trás, ainda na minha época de ministra, pois tínhamos uma preocupação que vinha da Europa sob o ponto de vista ambiental.
Mas quando eu comecei a fazer o relatório do projeto do senador Zequinha Marinho (PODE-PA), eu vi que não podíamos ficar concentrados nisso. O Brasil tem comércio com 160 países no mundo. Então, nós tínhamos que ter uma lei guarda-chuva, que abarcasse todo o comércio, tanto na parte de tarifas quanto na parte ambiental. Foi um ano de audiência pública com o governo, com o MDIC, com o Itamaraty e com embaixadas lá fora.
Esse “toma-lá-dá-cá” não pode escalar as tensões?
Eu acho que não. Vai depender da reação de cada um. O gatilho só é acionado quando tiver uma reação muito adversa. Mas a gente não fica aqui sem uma legislação para fazer esse embate se ele acontecer. A lei funciona como uma rampa e não como uma barreira. Primeiro acontece o diálogo: vamos ter várias iniciativas antes de uma eventual retaliação.
Quando a nova lei deve ser votada?
Estou trabalhando para que seja votada muito rapidamente. Vamos passar pelas comissões e acredito que vá ao Plenário em breve. Espero que já esteja aprovado no Senado e na Câmara, ou em viés de aprovação, quando chegar o dia 2 de abril.
Quais setores brasileiros podem ser mais afetados pela reciprocidade tarifária?
Hoje vejo uma preocupação maior do setor industrial, especialmente do etanol e do aço. Na agropecuária teríamos uma maior ebulição se tivesse tido alguma fala sobre a carne vermelha. Mas os EUA já fizeram algumas ameaças e depois recuaram. E acredito que o Brasil está agindo direitinho: esperando a ação de lá para ter uma reação de cá.
Essas tensões devem trazer um impacto ainda maior na inflação de alimentos, especialmente no Brasil?
A safra brasileira está chegando e os números indicam que vamos ter, apesar das secas e da inundação no Rio Grande do Sul, uma super safra de soja, milho e outros grãos. A safra vai corrigir parte desses preços.
Como você vê as medidas do governo diante desse problema, como a redução do imposto de importação?
As medidas do governo para baixar os preços no mercado interno são ineficazes. Não temos uma crise de oferta. Se tivéssemos uma, algumas medidas poderiam ser tomadas, mas trata-se de uma crise muito mais estrutural, e o governo não quer fazer o dever de casa, que é o ajuste fiscal. Enquanto não fizer isso, não vai ter efeito positivo sobre a inflação. A inflação não está vindo só nos alimentos. O dólar tem que baixar e para que isso aconteça é preciso ter confiança.