As grandes fabricantes de aeronaves planejam um céu de brigadeiro para os próximos 20 anos, com 40 mil novos aviões entrando em operação.

Mas um probleminha no cockpit pode atrapalhar os planos: está começando a faltar piloto.

A Boeing estima que serão necessários 790 mil pilotos no mundo pelos próximos 20 anos, dos quais 57 mil na América Latina.

O grande gargalo está na formação, que demanda um alto investimento e oferece salários de entrada baixos, o que tem afastado as novas gerações.

Além de um currículo desejável em ciências aeronáuticas, o aspirante gasta mais de US$ 30 mil com horas de voo para tirar uma licença de piloto privado, e outros US$ 100 mil em horas de voo para obter a licença de piloto comercial. Esta última o habilita a exercer atividade remunerada, enquanto a primeira é de uso privado.

Há ainda uma terceira licença, de Piloto de Linha Aérea, que é a habilitação do comandante, geralmente adquirida após horas de voo trabalhando como co-piloto em uma companhia aérea.

Companhias como a Qatar Airways atraem jovens pilotos financiando os custos iniciais de formação e ainda oferecem uma série de benefícios como mensalidade escolar para os filhos.

“Alguma medida terá que ser feita para atrair as novas gerações”, diz Francisco Lyra, piloto e sócio da C-Fly Aviation, que está trazendo para o Brasil a universidade americana Embry-Riddle, a maior e mais antiga instituição dedicada à formação de profissionais da aviação no mundo. As aulas devem começar no segundo semestre.

Nos EUA, o número de pilotos caiu 30% em 30 anos, apesar do forte crescimento das viagens de avião.

As Forças Armadas americanas – que sempre foram fonte de profissionais para a aviação comercial do país – hoje demandam menos pilotos em parte devido aos VANTs, os veículos aéreos não tripulados. Mas ainda assim, a Defesa americana sofre com a falta de pilotos e passou a dificultar a saída deles para a aviação civil.

A situação está dramática no mundo todo: os EUA liberaram o green card para pilotos estrangeiros que queiram trabalhar na aviação regional. No Japão, a idade de aposentadoria foi esticada para 68, ainda que as convenções internacionais recomendem 65.

No Brasil, a crise das companhias nos últimos anos adiou o problema. Porém, com a perspectiva de retomada do crescimento, as empresas começam a se mexer. No início de janeiro, a Azul anunciou um relaxamento das exigências para contratação de co-pilotos: de 1.500 horas de voo exigidas, agora são apenas 200.

O Brasil sempre foi celeiro de pilotos para o mundo. Quando a Varig quebrou, muitos foram trabalhar na China, nos países árabes, na Europa e até na África, espalhando a fama de boa formação.

Nossa tradição de formação de pilotos começou nos anos 40 com Assis Chateaubriand. Convicto de que o Brasil só seria grande com uma aviação desenvolvida, o dono dos Diários Associados lançou a campanha “Dêem Asas para o Brasil”, conclamando empresários a doar aeronaves e recursos para a construção de aeroclubes.

Mas esse sistema – que por tantos anos formou mão de obra para Panair, Varig e também TAM e Gol – já quase não existe mais. Pouco a pouco, os aeroclubes estão sendo fechados pela Anac. Até mesmo o Aeroclube do Brasil – o primeiro do país e segundo no mundo, criado em 1911 por Santos Dumont – fechou as portas há cerca de três anos.

Algumas escolas particulares foram abertas, mas não com capacidade suficiente para compensar o fechamento dos aeroclubes.

Entre 2012 e 2016, o número anual de novas licenças de piloto privado e piloto comercial de avião caiu 40% no Brasil, para 2.725.

Já as licenças de Piloto de Linha Aérea costumam variar conforme as promoções dos co-pilotos e a demanda das companhias. Em média, são cerca de 320 novas licenças por ano no Brasil. Em 2016, foram 405.

“Considerando a média de emissões dos últimos anos e a hipótese de que muitos vão se aposentar, serão necessários 15 anos para dobrarmos o número de pilotos no mercado”, diz Lyra. Atualmente, existem no Brasil 4.780 licenças emitidas de piloto de linha aérea.

Para piorar, os pilotos brasileiros seguem sendo cobiçados pelas estrangeiras.  

A RyanAir acaba de fazer um recrutamento no Rio, atraindo cerca de 100 candidatos. Em março, a empresa fará uma nova chamada, dando prioridade a pilotos que estão sendo desligados da Avianca. A ‘low cost’ irlandesa, que tem fama de tratar mal funcionários e passageiros, perdeu algumas centenas de pilotos no ano passado numa queda de braço com os sindicatos.

Quando a mão de obra faltar por aqui, o Brasil tampouco poderá apelar para a mão de obra estrangeira – a barreira está no idioma. Apenas 37 aeroportos brasileiros contam com controladores fluentes em inglês. E o acidente da Gol com o Legacy da Embraer mostra que, mesmo quando se fala inglês, o risco de linha cruzada é grande.