O mercado de carbono surgiu como uma bala de prata contra as mudanças climáticas.
A ideia, intrinsecamente capitalista, era precificar as emissões de gases de efeito estufa – causadores do aquecimento global – e cobrar de quem emite.
Mas o que começou inspirado em A Teoria dos Sentimentos Morais, de Adam Smith, terminou no Gordon Gekko interpretado por Michael Douglas em Wall Street: “Greed is good.”
Fraudes e projetos tecnicamente mal estruturados abalaram a confiança do mercado nos créditos de carbono.
“A maior parte dos créditos emitidos vai perder o valor, mas quem tem projetos de qualidade terá demanda,” Fábio Galindo, o CEO da gestora de projetos de carbono FutureClimate, disse ao Brazil Journal.
Galindo e outros gestores estão otimistas e enxergam uma retomada do setor a partir deste ano graças a três fatores.
O primeiro é a revisão das normas para a contabilidade dos projetos de carbono, que promete devolver a credibilidade ao setor.
A Verra, a maior certificadora de créditos de carbono do mundo, está adotando uma metodologia mais robusta, sem a famigerada autodeclaração do risco de desmatamento – na qual a própria empresa era responsável por determinar o potencial de descarbonização do seu projeto, um convite ao superfaturamento.
O segundo fator é a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da construção de um mercado global de carbono. A redação final do artigo foi publicada na COP29 em novembro, no Azerbaijão.
A terceira razão para acreditar numa recuperação do mercado é o fato do Congresso brasileiro ter aprovado – finalmente – a regulamentação do mercado regulado, uma demanda antiga das negociadoras de créditos.
Existem dois mercados de créditos de carbono: o regulado e o voluntário. O primeiro, controlado pelos governos, é na prática uma taxação sobre os setores “sujos”.
Os mercados regulados não geram créditos comercializáveis – mas são importantes para a precificação dos ativos no mercado voluntário.
Já o mercado de créditos voluntários reúne iniciativas de empresas para descarbonizar suas operações. As fraudes que minaram a confiança dos investidores se deram neste mercado.
O ex-CFO do Nubank Gabriel Silva, fundador da Mombak, uma empresa especializada na remoção de carbono, diz que a maneira como os créditos são gerados faz toda a diferença.
A maioria dos créditos atualmente no mercado se refere a emissões evitadas, ou seja, paga-se pela não derrubada de uma floresta, por exemplo. A maior fraude registrada no Brasil se deu em um desses projetos.
O empresário Ricardo Stoppe, fundador do Grupo Ituxi, gerou o equivalente a R$ 180 milhões em créditos de carbono na Amazônia, parte deles comprados por grandes empresas como Gol, Nestlé e PwC. As terras que ele alegava proteger, no entanto, pertenciam à União e haviam sido griladas. Stoppe foi preso.
“Trabalhamos apenas com projetos de remoção,” disse Gabriel, da Mombak. Nesse tipo de projeto, o crédito está relacionado a ações que retiram carbono da atmosfera, como o reflorestamento.
A Mombak fechou no ano passado um contrato de fornecimento de 1,5 milhão créditos de remoção para a Microsoft. A entrega demandará o plantio de 30 milhões de árvores nativas, em 25 florestas do bioma amazônico.
A FutureClimate e a Systemica também afirmam trabalhar apenas com projetos de remoção.
Do lado dos compradores, a possibilidade de contabilizar com precisão o carbono evitado é o que garante a confiança.
“Os projetos precisam ter adicionalidade,” diz Mário Oliveira, o diretor de desenvolvimento e novos negócios da Allos, a empresa de shopping centers. A Allos tem a meta de zerar as emissões de quatro shoppings na região da Amazônia em 2025.
No jargão ESG, ‘adicionalidade’ significa contribuir materialmente para o esforço de conter o aquecimento global.
O mercado de carbono tem muito a ‘adicionar’ no combate às mudanças climáticas. Mas sem credibilidade, nem mesmo as melhores ideias se sustentam.