Tem gosto de carne, cheira como carne, faz o barulhinho da carne na grelha — mas não tem um grama de boi e pode custar muito menos.

Trata-se do Impossible Burger, cujo sucesso promete virar de cabeça para baixo o mundo dos Wesleys e Joesleys, salvar a Terra da exaustão de recursos naturais e melhorar a saúde da humanidade — tudo isso sem retirar das pessoas o prazer de abocanhar um burgão.

O Impossible (para os íntimos) é o primeiro produto da Impossible Foods, startup californiana fundada em 2011 e que já captou mais de US$ 200 milhões em venture capital — atraindo de Bill Gates ao Google Ventures, passando pelo UBS e pelo Viking Global.

O Impossible Burger é o que talvez se possa chamar de carne moída sintética.

Usando técnicas da neurociência para identificar exatamente o que nos faz gostar de carne, a Impossible fez um hambúrguer 100% à base de plantas e de heme (uma proteína do sangue do animal, produzida por um fungo geneticamente modificado); outros ingredientes incluem proteína de trigo, proteína de batata, goma xantana e óleo de coco.

O Impossible tem cor e textura de carne, e, quando frito, faz aquela casquinha de queimado com o mesmo gosto e aroma de um hambúrguer normal. Quando cortado, o hambúrguer chega a sangrar como o de verdade.

Comparado ao produto bovino, o Impossible usa 95% menos terra, 74% menos água, e lança 87% menos carbono na atmosfera — e ainda é 100% livre de hormônios, antibióticos, colesterol e ingredientes artificiais.

O Impossible está à venda desde o ano passado em restaurantes seletos dos EUA e já se tornou um best seller em todos os lugares que o servem. Livre de bois e de culpa, o Impossible custa o mesmo que um hambúrguer comum — em Nova Iorque, é possível comê-lo por US$14, incluindo a batata frita — e, segundo fontes que já o provaram, é absolutamente delicioso.

O ‘impossível’ começou a se tornar realidade em 2009 pelas mãos de Patrick Brown, doutor em bioquímica pela Universidade de Chicago e professor emérito de Stanford. Então com 54 anos e engajado em desenvolvimento sustentável, Patrick decidiu tirar 18 meses sabáticos para se dedicar à redução da produção industrial de carne, setor que, na sua visão, é o tema ambiental mais complicado do planeta.

Um terço da terra disponível no mundo é dedicado à pecuária ou à alimentação animal, e sua tese era que consumir menos produtos animais liberaria vastas quantidades de terra, reduziria o consumo de fertilizantes e agrotóxicos e nos tornaria mais saudáveis, de quebra reduzindo o sofrimento de milhões de animais.

Como bom acadêmico, Patrick — vegetariano desde a década de 1970 e vegano desde 2004 — achava que bastaria ‘conscientizar’ as pessoas sobre esta realidade. Para isso, organizou um grande workshop em Washington com a participação dos principais nomes da indústria e — surpresa! — não encontrou empatia nem gerou comoção.

Numa entrevista à revista Pacific Standard no ano passado, Patrick definiu assim o estalo que teve: “Tudo que eu tenho que fazer é criar um produto que consumidores de carne e laticínios prefiram ao que eles têm hoje”. O impossível passou a ser sua missão de vida.

O foco nos hambúrgueres foi uma questão de escala. Segundo a própria indústria, de 40% a 45% do consumo de carne de boi nos EUA são na forma de carne moída e, quando a carne bovina é cozinhada em casa, a carne moída chega a 60% do consumo.

O maior desafio seria fazer um produto que se diferenciasse dos substitutos vegetais disponíveis no mercado, que são, para não dizer repugnantes, notoriamente diferentes de carne. Sua ideia era trazer para a indústria alimentícia técnicas avançadas de biotecnologia, pois, segundo ele, “o que fazemos de novo hoje na indústria alimentícia já era notícia velha 40 anos atrás no mundo de biotech”.

A Impossible é uma sensação no Vale do Silício. Em 2015, antes de vender um hambúrguer sequer, a companhia declinou uma oferta do Google estimada em US$ 300 milhões e optou por levantar mais de US$ 100 milhões de vários investidores. (O PitchBook, site da Morningstar, avalia a Impossible em US$ 800 milhões.)

A companhia diz que escala é a alma do negócio. Em março, a Impossible lançou uma nova fábrica, capaz de multiplicar em 250 vezes sua produção atual. Quando atingir sua capacidade máxima, a fábrica produzirá 6 mil toneladas de hambúrguer sintético por ano – menos de 0,2% dos 4,5 milhões de toneladas de carne moída consumidas nos EUA ao ano e, com esta produção, quer saltar dos 22 restaurantes em que hoje é servido (em Nova York, Los Angeles, Las Vegas, Houston e cidades do Vale) para 1.000 já no fim deste ano.

Na busca por substitutos perfeitos de produtos animais, a Impossible é a empresa mais interessante e a que levantou mais capital. Mas ela tem concorrência: a também californiana Beyond Meat, pioneira do setor (fundada em 2009), já vende sua carne sintética nas gôndolas do Whole Foods.

Mas a Beyond não usa biotecnologia, apenas foca em montar o blend perfeito de ingredientes vegetais, que em seguida é cozido e comprimido numa máquina de extrusão (a mesma tecnologia usada para fazer o Cheetos). Seus hambúrgueres e tirinhas de frango, ambos feitos com proteína de ervilha, são tão similares ao produto animal que estão à venda na própria seção de carnes do supermercado.

Em sua última rodada de investimentos, a Beyond atraiu como acionistas a General Mills e a Tyson Foods (que adquiriu 5% da empresa), sinalizando o interesse de empresas tradicionais de alimentos no subsegmento. A consultoria VentureFirst estima o valuation da empresa em US$ 250 milhões.

A Tyson, aliás, criou um fundo de VC de US$ 150 milhões para investir em startups de comida. General Mills, Kellogg e Campbell Soup fizeram o mesmo.

“Enquanto o boi parou de melhorar há um milhão de anos atrás, nós conseguimos otimizar as nossas carnes para serem deliciosas, sustentáveis, nutritivas e baratas – e conseguimos melhorar a cada dia que passa,” Patrick disse à TechCrunch no mês passado.

A Impossible não pretende parar nos hambúrgueres; a companhia diz que seus cientistas já conseguem replicar carne de frango, porco, peixe ou mesmo produzir iogurte diretamente de plantas. Novos produtos serão introduzidos conforme a demanda dos consumidores.

Thomas Malthus — o economista que acreditava que a Terra não daria conta do crescimento populacional — deve estar se remexendo no túmulo.

Já para o setor de carne, tão importante para a economia brasileira, o sucesso da Impossible pode se provar mais perigoso que qualquer delação super-hiper-premiada. Se o boi um dia sair de moda, o preço da soja também seria afetado, e com ele a balança comercial brasileira.