A Medida Provisória que alterou a forma como os créditos do PIS/Cofins podem ser utilizados – e que vai sangrar o caixa das empresas – causou uma mobilização inédita entre vários setores afetados, aumentando as chances de que o governo tenha que voltar atrás na medida.
“Existem três opções para essa MP: o governo retirar, o Rodrigo Pacheco devolver, ou o Congresso acelerar o processo e já rejeitar a proposta,” disse um deputado independente.
A fúria dos empresários surpreendeu o governo.
Na viagem do vice-presidente Geraldo Alckmin e de ministros para a Arábia Saudita e a China com um grupo de empresários, Alckmin foi interpelado e disse que não estava por dentro do assunto.
“É a prova cabal de que o governo está perdido,” disse um empresário que estava na comitiva.
A tentativa do governo de compensar as perdas que terá este ano com a desoneração da folha surpreendeu tanto pela forma escolhida – uma MP com efeito imediato – quanto pela falta de conversas com entidades empresariais e com o próprio Congresso.
Segundo o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), não houve nenhum acordo de compensação após a aprovação da desoneração da folha de diversos setores.
O deputado também disse que há “contradições flagrantes” da proposta com a própria reforma tributária aprovada pelo governo.
“O espírito da reforma era para diminuir a cumulatividade. Quando ela não permite que créditos tributários continuem da forma como é hoje, eles abrem caminho para a cumulatividade,” disse Jardim.
O deputado também enxerga princípios inconstitucionais na proposta.
Como o crédito tributário é um ativo pago antecipadamente pelos empresários ao governo – e que, posteriormente, pode ser utilizado no pagamento de outros impostos – ele não pode ser considerado um benefício fiscal.
Ou seja, o governo não pode simplesmente acabar com essa prática de uma hora para a outra.
Por isso, segundo Jardim, a MP do governo pode configurar um sequestro de bens – o que é vedado no artigo 62 da Constituição.
Segundo um tributarista, a medida também vai contra a decisão do STF.
“Quando se prorrogou a desoneração da folha, o STF decidiu que o Governo tinha que achar uma fonte de receita nova. Mas tudo o que esta MP faz é postergar a devolução de PIS e Cofins; ela não cria tributo novo, é uma pedalada,” disse o advogado Luiz Gustavo Bichara, que está entrando com várias ações em nome de clientes questionando a MP.
Se a MP continuar como está, o efeito nas companhias será brutal: muitas empresas utilizam esses créditos para pagamentos de impostos do dia a dia, como o INSS e o CSLL, e precisariam ir atrás de empréstimos para pagar suas obrigações.
A XP fez um levantamento das empresas listadas que mais seriam impactadas pelas novas regras de créditos tributários. Hoje, a Casas Bahia tem R$ 2,8 bilhões em PIS/Cofins para recuperar – o que representa 468% do seu valor de mercado. O Pão de Açúcar tem R$ 2,1 bilhões a receber (ou 150% do seu market cap).
Outras companhias afetadas são as distribuidoras de combustível e empresas do agronegócio.
Para o economista Marcos Lisboa, a MP não deveria surpreender, pois “é o mesmo mecanismo utilizado nos últimos 30 anos para garantir a arrecadação.”
Não deveria, mas surpreendeu – até mesmo a ele.
“Poucas vezes houve uma mexida tão abrupta para arrecadação. Não foi um PL que vai entrar em vigor após uma aprovação, mas um ato brutal que vai afetar o caixa das empresas,” disse Lisboa.
Para o economista, ano após ano o governo continua com a mesma lógica: primeiro gasta, depois procura como arrecadar mais.
“Dessa forma, vamos continuar nos contentando em ser um País de baixo crescimento, de um crescimento medíocre.”
Falando à imprensa agora à tarde em São Paulo, o ministro Fernando Haddad tentou dar um tom conciliatório, dizendo achar “natural” haver reclamações das empresas no Congresso, mas também dizendo haver “muito mal entendido” a respeito da MP.