Campina Grande, uma cidade de 400 mil habitantes no interior da Paraíba, prosperou no passado com as lavouras de algodão, o “ouro branco” do semiárido nordestino. A cidade foi o segundo maior entreposto do produto no mundo, atrás apenas de Liverpool.

Mas no início da década de 1980 a economia local foi arrasada pelo bicudo-do-algodoeiro, uma praga que dizimou as lavouras.

Agora, uma nova praga está dizimando a economia local.

É a Braiscompany, que se promovia como a maior empresa de tecnologia blockchain da América Latina, atraiu milhares de investidores com a promessa de uma rentabilidade mensal de até 8% com aplicações em criptoativos – e agora está sob suspeita de ser uma gigantesca pirâmide financeira, um esquema similar ao da GAS Consultoria, do já infame Faraó do Bitcoin.

Sob investigação do Ministério Público desde o início do mês, a Braiscompany esta semana foi alvo de uma operação da Polícia Federal.

Seu CEO e fundador, Antonio Inacio da Silva Neto, que usa o nome Antonio Neto Ais, não foi localizado. Não foi visto em público há algumas semanas e pode ter deixado o País, segundo fontes que acompanham o caso. (A lenda local é que Ais sumiu não por medo da polícia, mas porque um agiota lesado colocou um pistoleiro atrás dele.)

Os números envolvidos no possível esquema fraudulento ainda serão objeto de inquérito, mas as estimativas é que pelo menos 10 mil pessoas tenham transferido recursos para a empresa, a maior parte delas de Campina Grande, onde a Brais foi fundada em 2018 por Ais e sua esposa, Fabrícia Farias Campos. O prejuízo pode chegar a R$ 1,5 bilhão.

A Brais ganhou fama e notoriedade em Campina Grande graças ao talento para a promoção pessoal de seu fundador, Antônio Neto Ais, apelidado de Toinho do Bitcoin.

Vendendo-se como um grande especialista em criptoativos, ele conquistou espaço em eventos sociais da cidade, fazia apresentações na OAB local, e atraiu artistas e colunistas sociais. Assim, foi arrebanhando investidores seduzidos pelos ganhos mensais de 6% a 8%.

“Poderia ser boi gordo ou avestruz, como outras pirâmides do passado,” diz um consultor de investimentos de Campina Grande.

“Ele soube dar um ar de modernidade para a Brais, falando de blockchain e cripto. As pessoas foram seduzidas e acabaram vítimas do FOMO (fear of missing out), o medo de ficar de fora.”

A empresa foi uma grande patrocinadora de eventos na região, entre eles a festa de São João da cidade, “a maior do mundo”. Promoveu também jogos de futebol com atletas famosos para levantar recursos para projetos sociais.

Dessa maneira, Ais, que no passado já havia trabalhado com empresas de marketing multinível e captado recursos para outras prováveis pirâmides financeiras, galgou espaço na alta sociedade de Campina Grande. Na sequência, abriu filiais em outras cidades do Nordeste e mantinha um escritório na Vila Olímpia, a poucas quadras da Faria Lima.

No início, os alvos eram empresários e profissionais liberais. Mas com o tempo, a Brais foi popularizando o acesso a seus supostos investimentos em criptoativos, e a partir de R$ 1.000 era possível aplicar recursos.

Há relatos de pessoas que venderam carros e imóveis para investir na Brais. Agora, correm o risco de não recuperar nada.

“Um dos meus clientes fez transferências de R$ 5 milhões,” diz o advogado Artêmio Picanço, especialista em fraudes do tipo e que também atuou no caso do Faraó do Bitcoin. “Estou com cerca de 50 clientes agora, num valor total de R$ 10 milhões.”

Gestores financeiros e advogados da Paraíba ouvidos pelo Brazil Journal já suspeitavam havia algum tempo de que a Brais era uma pirâmide. Viam nele um Bernie Madoff local. Houve algumas denúncias, mas as investigações não prosperaram – e acredita-se que a proximidade de Ais com políticos locais o tenha blindado por algum tempo.

Mas as denúncias se avolumaram a partir do final do ano passado, quando pessoas que pediam para resgatar suas aplicações não tinham a solicitação atendida. Os poucos que conseguiram fazer saques, de acordo com advogados, tiveram um desconto de 30% nos valores, como previsto no contrato para quem não permanecesse até o final do prazo estipulado – em geral, de pelo menos um ano.

Ais e seus funcionários chegaram a dar como justificativa aos clientes que os saques não seriam possíveis de serem realizados por causa de falhas na Binance, onde estariam as carteiras dos criptoativos. A corretora desmentiu a informação.

Pelo contrato firmado com a Brais, as pessoas que faziam os depósitos supostamente convertiam os recursos em criptoativos. Os rendimentos espetaculares, dizia a empresa, provinham dos ganhos com o aluguel das criptomoedas, que ficavam sob a gestão da empresa.

A empresa se vendia como uma gestora de recursos. Mas de acordo com Felipe Pontes, professor licenciado de finanças da Universidade Federal da Paraíba e COO da Economática, que há mais de dois anos vem apontando indícios de irregularidades, isso caiu por terra depois que a Anbima publicou uma nota afirmando que Brais não tinha registro na CVM nem autorização para operar no mercado financeiro.

Em Campina Grande, escritórios de advocacia e peritos jurídicos se organizaram para constituir a Associação de Vítimas da Braiscompany. Pelo histórico de casos semelhantes, será o início de uma longa batalha em busca de reaver ao menos uma fração do prejuízo.

“Muitas pessoas fizeram empréstimos para aplicar na empresa, venderam o que tinham”, afirma a advogada Larissa Gatto, que, após ter perdido mais de R$ 800 mil com a GAS, especializou-se em pirâmides financeiras e crimes digitais.

Agora, enquanto busca recuperar parte de seus próprios recursos no esquema liderado por Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó do Bitcoin, ela também vai assessorar vítimas da Brais.

Preso em 2021, Glaidson aguarda julgamento. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 38 bilhões movimentados pela pirâmide, mas até agora foi recuperado apenas R$ 1 bilhão.  Segundo os advogados, ainda levará tempo até que a Justiça conclua as perícias e os processos para determinar os valores a serem ressarcidos às vítimas.

“No caso da Brais, talvez seja possível recuperar uma parcela dos recursos, mas as autoridades precisam agir rapidamente e com toda a força que a lei permite,” diz Felipe Pontes. “Essa era possivelmente a maior pirâmide ainda ativa no País. Impressiona como ela conseguiu ir tão longe.”