Quando Joaquim Levy pega uma gripe, o Brasil pega uma pneumonia.
E como é impossível saber o que separa um ‘ministro descontente’ de um ‘ex-ministro’, é muito provável que a semana comece com muita volatilidade — dólar e juros em alta e Bolsa na direção oposta — dado o vasto noticiário no fim de semana dando conta da insatisfação de Levy com o tamanho do contingenciamento anunciado pelo Governo bem como as projeções irreais de arrecadação para este ano.
A narrativa que emerge do noticiário é de que a Presidente Dilma e o Ministro Nelson Barbosa compartilham uma visão mais benigna da situação fiscal do que Levy.
Trata-se de uma divergência que sempre existiu, mas que o mercado julgava estar sob controle, sob a égide da busca de um denominador comum em favor da estabilidade.
A Presidente não deve ter o que reclamar do ministro gripado. Levy tem sido praticamente o ‘funcionário do mês’ desde que o Governo Dilma 2 começou: segurou na mão dos analistas das agências de risco e, olhando em seus olhos, garantiu sozinho a manutenção do rating do País, uma batalha que a maioria do mercado já considerava perdida. Depois disso, foi ao Congresso para o corpo a corpo insalubre com os deputados, que frequentemente não têm o preparo técnico para entender que a soma de 2 + 2 é igual a 4, e que não há emenda que faça o resultado dar 5.
No fim de semana, um corretor de um grande banco internacional — que mora fora do País e ganha a vida conversando com investidores internacionais com dinheiro no Brasil — enviou ao colunista um email com as reportagens sobre Levy. No topo da mensagem, a gentil recomendação: “Se ele sair, mude de País”.
Mas não será preciso mudar do Brasil para se estar em um País diferente, porque, se Levy sair, o Brasil definitivamente será outro: terá uma moeda mais fraca, juros mais altos, inflação mais virulenta, e uma crise política ainda mais cabeluda do que a esquizofrenia atual.
O Congresso e o próprio PT têm brincado com fogo e aumentado o custo do ajuste. Além do enfraquecimento das medidas fiscais — um sinal de que o Congresso não entende o tamanho do estrago causado nos últimos anos e do que está em jogo agora — o exemplo mais ilustrativo do ânimo populista foi o senador petista Lindbergh Farias questionar semana passada o custo político dos cortes de gastos.
“Será que a presidente Dilma e o Aloizio Mercadante [chefe da Casa Civil] acham mesmo que, acabado esse ajuste do Levy, a situação vai melhorar?” Farias disse ao repórter Josias de Souza. “Não sei o que passa pela cabeça da Dilma e do Mercadante. Mas creio que eles não estão se dando conta de que essa política econômica vai nos afundar. Isso não será ruim apenas para o PT, mas para toda a esquerda brasileira.”
É verdade que o ajuste fiscal é procíclico, isto é, tende a acentuar ainda mais a recessão que já está encomendada. É verdade também que, uma vez feito o ajuste, resta ao Governo esperar (rezar?) para que os empresários recuperem a confiança e voltem a investir — em outras palavras, o ajuste não garante a retomada, apenas cria as condições mais lógicas para que ela aconteça.
A verdade que o senador não quer discutir é que foi o próprio Governo e seu próprio partido que se colocaram nesta situação ao longo dos últimos anos, e agora suas opções são demasiadamente limitadas. Por exemplo: se agora o BC cortasse os juros rapidamente, quem voltaria galopando primeiro: os empregos ou a inflação? E o fato de que o setor público simplesmente não tem mais dinheiro para estimular quem quer que seja?
Assumindo que Levy saia e que o caos não se instale imediatamente no preço dos ativos, a promoção de Nelson Barbosa para a cadeira da Fazenda não teria nem de longe a octanagem necessária para restaurar a credibilidade que seu colega trouxe para a mesa.
“Quando o Levy assumiu, ele olhou para o que foi feito nos últimos quatro anos e disse, inequivocamente, que estava tudo errado. Já o Nelson, em suas palestras antes e depois de virar ministro, olha para os últimos quatro anos e diz que houve excessos, mas que o modelo estava correto,” diz um economista que tem trânsito junto a ambos. “Todo mundo sabia que esse era um casamento de validade muito curta, mas eu não esperava que eles batessem cabeça tão cedo.”
Mesmo com Levy, entregar o ajuste fiscal já é tarefa quase impossível dadas as limitações da política, o tamanho do rombo, e a fraqueza da economia. Sem ele…
Se Levy sair, os constrangimento sofridos por Dilma até agora — as acusações de estelionato eleitoral por parte da oposição e de ‘vira-casaca’ por setores do próprio PT — terão sido em vão. Também terão sido em vão os cortes na educação, na saúde e em outras áreas socialmente sensíveis: o custo da dívida (do Governo e das empresas) subirá exponencialmente com a reprecificação dos mercados de câmbio e de renda fixa. A Presidente tem (muito) mais a perder do que o ministro.
Felizmente, tudo indica que nesta segunda-feira Joaquim Levy vai aparecer pra trabalhar e negar (ou minimizar) as discordâncias aos repórteres que cobrem a Fazenda, munido daquele sorriso fugaz que esconde mais do que revela. Em algum momento do dia, Aloizio Mercadante dará uma entrevista reafirmando o ‘apoio total’ da Presidente ao ministro. (Um dos dois, com certeza, culpará a imprensa por ‘exagerar’ na cobertura.)
Sua gripe já terá passado e o recado terá sido dado. Mas a infecção continua.