Depois de Google e Microsoft, a Amazon acaba de entrar na corrida da computação quântica.

A AWS, a divisão de nuvem da empresa de Jeff Bezos, acaba de apresentar seu primeiro chip para computação quântica, o Ocelot, um protótipo que reduz em até 90% os custos de correção dos erros dos sistemas quânticos.

A descoberta científica acaba de ser publicada na revista Nature e teve entre os líderes da pesquisa o mineiro Fernando Brandão, diretor de ciência aplicada na AWS e professor de física teórica no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech).

Fernando Brandao ok

“O computador quântico é baseado nas leis da mecânica quântica, a física que descreve um mundo microscópico, um mundo de fótons, elétrons, prótons,” Brandão disse ao Brazil Journal. “Nesses níveis muito pequenos, as leis da física são diferentes e, ao menos em teoria, seria possível construir computadores com aplicações muito superiores aos dos computadores atuais.”

Na computação tradicional, as unidades de informação são os dígitos binários – os bits, sempre 0 ou 1.

Já a computação quântica deriva da mecânica quântica, empregando em seus sistemas as peculiaridades do comportamento das partículas subatômicas. Os bits quânticos, chamados qubits, podem representar os ‘estados’ 0 ou 1 simultaneamente, em uma superposição de possibilidades do chamado “entrelaçamento quântico”, multiplicando exponencialmente a capacidade computacional.

“Um sistema quântico pode, na teoria, resolver em uma hora um problema que nos melhores supercomputadores atuais levaria mais tempo do que os 13,8 bilhões de anos do universo,” disse Brandão.

As dificuldades para tornar realidade os computadores quânticos experimentais se devem às perdas de informação e aos erros de processamento em razão da instabilidade das partículas subatômicas e a interação delas com o ambiente.

Os computadores podem ser afetados por qualquer mudança ínfima ao seu redor, como vibrações, temperaturas mais elevadas, ondas eletromagnéticas de celulares ou roteadores. Os sistemas experimentais são testados em laboratórios especiais, em que a temperatura fica próxima ao zero absoluto (-273,15 °C).

“É muito difícil isolar completamente as partículas quânticas. Mas para que tenhamos um computador em que possamos rodar grandes algoritmos são necessários centenas ou milhares de qubits,” explicou Brandão. “Os ruídos atrapalham a computação. O desafio está em ter um qubit com baixo ruído.”

Essa é a barreira para escalar a tecnologia, porque quanto mais qubits, mais erros.

As pesquisas vêm avançando tanto no hardware como no software para que os sistemas possam ter mecanismos de redução dos erros quânticos.

A arquitetura do Ocelot (jaguatirica, em inglês) usa uma tecnologia chamada cat qubits – ‘qubits gatos,’ uma referência ao gato vivo e morto do experimento de Schrödinger – para corrigir algumas formas de erros.

Os pesquisadores da empresa combinaram os ‘qubits gatos’ a outros componentes que, trabalhando conjuntamente, conseguem reduzir os erros em até 90%. Assim seria possível produzir em breve um microchip escalável comercialmente.

“Entendemos que sem correção de erro não haverá como transformar em realidade a computação quântica. E, para corrigir erros, é necessário ter um número extra de qubits,” disse Brandão. “Demonstramos que esse chip funciona e exige um décimo dos qubits adicionais do que as outras abordagens.”

Por isso o custo é menor.

E quando os computadores quânticos estarão no mercado?

“Não acho que seja algo para daqui a dois ou três anos, mas também não vai demorar décadas,” disse Brandão. “É alguma coisa no meio disso.”

Brandão hoje se divide entre as aulas e o laboratório da AWS no campus do Caltech.

Com graduação e mestrado pela UFMG, ele fez doutorado em física quântica no Imperial College, em Londres. Passou pelo Google e Microsoft, entre outras empresas, e desde 2016 é professor do Caltech em Pasadena. Ingressou na AWS há pouco mais de cinco anos.

Para o pesquisador, a computação quântica poderá solucionar problemas em áreas como a ciência de materiais – por exemplo, no desenvolvimento de baterias e fertilizantes mais eficientes, ou na descoberta de medicamentos.

“Tem muita gente tentando há muito tempo desenvolver um computador quântico, porque é muito difícil,” disse ele. “Vai demorar um pouco ainda. Mas aumentou a nossa convicção de que um dia ele vai funcionar.”

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