O iFood está sofrendo um triplo atraque frontal – como não acontecia há muito tempo nas trincheiras do delivery.
Mas a empresa – dona de cerca de 80% do mercado no País – não está parada: a partir do segundo semestre, será possível pedir refeições no Uber e viagens de carro pelo iFood.
Tudo “com muita fluidez”, promete o CEO do iFood, Diego Barreto.
Mas esse Uber não foi chamado de última hora. Segundo o CEO, as conversas entre as duas empresas começaram em setembro.
“Já era algo planejado há tempos” e não uma reação aos últimos acontecimentos, Diego disse ao Brazil Journal.
O executivo disse que o modelo da parceria será similar ao que a gigante americana já faz com o aplicativo de supermercados Instacart desde o início do ano passado.
Nesta entrevista, Diego traz mais detalhes sobre a parceria, além de analisar o futuro do setor à luz dos movimentos dos concorrentes.
Quando começaram as conversas com o Uber?
O início das conversas sobre a parceria foi em setembro do ano passado. Alguns jornais disseram que foi uma reação aos anúncios do mercado, mas isso não é verdade. Desde os primeiros contatos, a gente vem trabalhando intensamente. A relação com o Uber sempre foi boa. Já os visitei algumas vezes nos Estados Unidos e conheço o Travis Kalanick, o fundador.
Então, o anúncio não tem relação com os movimentos recentes da concorrência?
Não. Vemos a reação à competição como um sinal de fraqueza. Nós temos uma visão de longo prazo no iFood. Se a gente tiver uma fraqueza, não tenho problema algum de correr atrás e fechar esse gap. Mas não foi o caso aqui.
A entrada da concorrência com taxa zero muda a lógica do setor? Haverá uma guerra de preços?
A guerra de preços é uma tática comumente usada por um novato, por um entrante. Não vejo novidade. Como líder dessa empresa, a pergunta que eu preciso me fazer é: isso é uma simples guerra de preço – e portanto baseada simplesmente na força do dinheiro – ou é algo que altera a lógica do setor?
E altera a lógica do setor?
Não vejo mudança radical. No fim do dia, quem está na plataforma quer vender. E para isso precisa de tráfego. E tráfego custa. É por isso que Amazon, Mercado Livre e iFood cobram comissão.
Então, eu sempre devolvo a pergunta para as pessoas: dá pra ter um modelo de negócio que ganha zero reais de receita? Isso não existe.
Então, dizer que existe uma competição de uma empresa que tem como média 15% de taxa, que é o iFood, versus zero, não é uma verdade. Ninguém se sustenta com zero.
Portanto, a receita tem que vir de algum lugar. De onde? Eu não sei, a gente vai descobrir isso ao longo do tempo. Nós temos um modelo sem taxa, mas que cobra mensalidade e já representa 25% da nossa receita.
E qual o racional por trás da parceria com a Uber?
Descobrimos que tem muitos brasileiros que usam Uber e não usam o iFood – e vice-versa. Comprovamos isso com um cruzamento de bases feito por um terceiro. Mas o maior desafio está sendo criar uma experiência integrada, onde o usuário não precise se logar novamente. É uma integração tecnológica muito complexa.
É o mesmo modelo que o Uber fez com o Instacart?
Conceitualmente sim. Mas aqui o objetivo não é ganhar dinheiro um do outro. É gerar exposição cruzada. Tanto o business do iFood quanto o do Uber é de MAU (montly active users). O que queremos fazer é virarmos um DAU (daily active users). E quanto mais você vê o iFood, mais chance de usar.
A intenção é integrar serviços em algum momento, como compartilhar logística e entregadores?
Não, e a logística segue separada. Mas existe a possibilidade de usar inteligência para ajudar o entregador a aproveitar melhor o tempo.
Como assim?
Se eu sei que entre 9h e 10h30 tem menos demanda na minha operação, posso sugerir ao entregador que use esse tempo para rodar no Uber Moto. Mas não é integração logística, é inteligência de uso de base. Mas existe um segundo passo, que é o de abrir a oportunidade para outros desenvolvimentos.
Por exemplo?
Por exemplo, a gente passar a combinar os planos de benefícios. Essa é uma discussão em andamento, que não vai ser aplicada nesse primeiro estágio.
Essa parceria pode evoluir para uma junção das operações em algum momento?
Não. Não existe nada relacionado a esse tema e não existe nenhuma intenção de nenhuma das empresas. Esse tema nunca foi discutido e não será discutido.
De qualquer maneira, é o começo de um super app?
Não acredito no conceito super app no Ocidente. Vejo isso funcionando na China por questões culturais. O que estamos construindo é um ecossistema – uma rede de parceiros que cocriam e capturam valor juntos.
Mas como funciona esse ecossistema?
Vou dar um exemplo: hoje o iFood desembolsa R$ 140 milhões por mês em crédito para restaurantes, com prazo médio de 18 meses. Nem os bancos no Brasil dão tanto crédito assim para esse setor. E por que conseguimos fazer? Porque temos dados deles e conseguimos prever o desempenho dos restaurantes em cima dessas informações.
Com isso, criamos um algoritmo que não se baseia em informações financeiras, mas operacionais. Ele prevê, por exemplo, se o restaurante vai continuar crescendo, manter o volume, aumentar turnos…
Uma das críticas que se faz ao iFood é que a maior parte dos pedidos da plataforma têm algum tipo de desconto ou cupom, o que desequilibra o mercado.
Hoje 40% dos pedidos do iFood são oriundos do clube, que atingiu 13 milhões de assinantes recorrentes. Esse é um exemplo de geração de tráfego.
Eu tenho no ano 60 milhões de compradores únicos e 26 milhões de clientes mensais, então 50% da minha base está dizendo “quero esse programa, estou usando esse programa e vou comprar por causa do programa.”
Mas isso é sustentável?
O clube não é um cupom por um cupom. É uma garantia de retorno para o restaurante e para o consumidor. Essa é a lógica. E isso explica muito como o clube tem crescido. Quando fazemos isso, o restaurante, na outra ponta, fala: “Existe um motivo para esse tráfego estar vindo.”