Um movimento anormal de caminhões abarrotados de algodão tem chamado a atenção nos últimos meses de quem transita pelas rodovias da AutoBan, MSVia, Rodoanel Oeste ou Renovias.

As carretas transportam fardos com a pluma do Mato Grosso e da Bahia – as principais regiões produtoras do País – em direção ao Porto de Santos, com destino ao mercado asiático. 

Nos últimos dois anos, as exportações de algodão pelo Porto de Santos cresceram 50%, reflexo da boa fase que vive a cultura algodoeira no Brasil. Na safra 2023/2024, a produção cresceu 16% e superou a dos Estados Unidos, que teve uma forte queda por questões climáticas. 

Por aqui, o clima ajudou. No Oeste da Bahia, maior região produtora, choveu na hora certa para plantar e o tempo seco veio na hora exata para colher, o que catapultou o Brasil pela primeira vez à liderança mundial na exportação de algodão.

Em uma década, o País triplicou as exportações da pluma e tem feito um trabalho intenso no exterior para ser visto como um fornecedor confiável. Hoje o Brasil é o terceiro maior produtor global, atrás de China e Índia (ambos com produção duas vezes maior que a nossa).

EXPORTACOES V2

“O aumento da produção brasileira é resultado de um trabalho de muito anos tanto no campo, com sementes de melhor qualidade e tecnologia, como na promoção comercial,” diz Miguel Faus, o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão, que nesta semana está em Shanghai com outros representantes do setor para falar com clientes asiáticos.

O ciclo de plantio, que começa nas próximas semanas,  também deve garantir um recorde de produção no País. A expectativa é que a área cultivada aumente 7,4% na safra 2024/2025 e a colheita alcance 3,9 milhões de toneladas.

Nunca o Brasil produziu tanto algodão e de tão boa qualidade – o problema é que o cenário global não tem  favorecido. Segundo o Itaú BBA, a demanda global de algodão deve crescer 2% no próximo ano, seguindo um movimento de recuperação que iniciou na safra anterior. A perspectiva de longo prazo, no entanto, é de um crescimento econômico global moderado, o que não inspira avanços extraordinários para o consumo de têxteis.

Além disso, o algodão tem forte correlação de preços com o petróleo devido à concorrência da pluma com as fibras sintéticas. “As cotações dos futuros de petróleo sinalizam preços em queda e, caso haja queda adicional de seus valores, a fibra sintética deverá ganhar competitividade e também ser um fator de pressão para as cotações do algodão,” diz Francisco Queiroz, o analista de commodities agrícolas do Itaú BBA. 

PRECOS V2

Há 40 anos, as fibras naturais – o algodão sendo a principal delas – representavam 50% do mercado. Hoje elas correspondem a 22%. Mais baratas e mais tecnológicas, as fibras sintéticas vêm ganhando espaço. 

A ONG Changing Markets Foundation fez um estudo sobre a utilização de materiais sintéticos em 50 marcas de fast fashion, esportes e luxo. Na Shein, por exemplo, 82% da produção utiliza materiais originados de fontes fósseis.

Recentemente, os tecidos sintéticos ganharam um apoio inesperado. A União Europeia está discutindo uma legislação para combater o greenwashing nas cadeias produtivas, o chamado Green Claims Directive. O objetivo é proteger os consumidores de produtos que alegam ser mais verdes do que são na realidade, com regras que incluem mais transparência nos rótulos, etiquetas e publicidade. 

O problema é que, da forma como está desenhada, a diretiva cria uma vantagem para as fibras sintéticas frente às naturais. A metodologia que embasou a proposta define os impactos ambientais mais relevantes em cada categoria de produto. No setor de vestuário e calçados, fatores como circularidade e durabilidade entram na conta, mas biodiversidade e produção de microplásticos não foram incluídos. 

“Na prática, o Parlamento Europeu está dizendo que um poliéster é mais sustentável que um tecido de algodão, o que é um absurdo,” diz Faus, da ANEA. “Enquanto um poliéster leva 100 anos para se decompor e gera microplásticos nos oceanos, o algodão é absorvido totalmente pela natureza em alguns anos.”

Em um mundo dominado pelo poliéster, até o algodão precisa provar que é mais verde que o petróleo.