Quando começou a tirar do papel o projeto de seu restaurante Jacó, Iago Jacomussi, 27, tinha uma dívida de um milhão e uns quebrados em função de um desencontro com os sócios, que desistiram do negócio no meio do caminho.
Num ato meio desesperado, juntou as joias que herdou da mãe e procurou um amigo da época da faculdade de economia em busca de ajuda para vendê-las. Enxergava Dema como um empreendedor serial – “tem balada, loja de relógio, de tênis, de tudo”.
Dema é Demétrius Adib, que lhe poupou da ideia dramática de se desfazer das relíquias da mãe em troca de uma proposta tentadora. Confiante, topou investir no Jacó, do qual é sócio até hoje.
Antes de querer ser chef, Iago queria ser dono de um restaurante. Prestes a fazer dois anos, o Jacó nasceu discretamente, na Vila Madalena, sem nome na fachada. Foi batizado para homenagear seu avô paterno, de mesmo apelido, que o criou no interior de São Paulo.
Reconhecido pelo Michelin como um jovem talento, Iago perdeu a mãe aos 11 anos. Ela o preparou para sua morte conforme o câncer avançava. Numa família espiritualizada, ele sentiu algum alívio. “Ela se livrou daquele corpo doente e alcançou a paz.”

Seu avô Jacó, que o criou ao lado da avó, uma professora aposentada de física e matemática no ensino público, foi vereador mais de dez vezes. Já era filho de político e teve um filho também político – o pai do chef é deputado estadual.
Foram os avós que lhe ensinaram a arte da hospitalidade, que hoje pratica em seu restaurante de cozinha autoral, cujo eixo são os produtos da estação.
“A sazonalidade é ótima para o negócio. Você tem alimentos melhores a preços mais baixos,” diz o chef, que valoriza vegetais em pratos como a couve-flor com grão-de-bico e curry, em diversas texturas, uma evocação ao Oriente Médio, perene no cardápio desde a inauguração.
No Jacó, conduzido por uma equipe majoritariamente com menos de 30 anos, como um hub de desenvolvimento de jovens talentos, as receitas são criações coletivas, por meio de exercícios de criatividade e crítica.
Iago pratica esse veio colaborativo desde a época em que morava na casa dos avós – ajudava com todas as tarefas da casa. Ficava inconformado de ter de lavar a louça antes de comer. Quando foi do interior para São Paulo para fazer faculdade, aos 18 anos, seu luxo cotidiano era cozinhar, comer e só depois lavar a louça.
Largou a faculdade de economia no mesmo período em que estagiava num banco. “Eu odiava. Odiava. Odiava”, deixa ecoar. “Não estava feliz, gostava de arte, queria ter um restaurante e fui aprender a cozinhar para entender o mínimo do negócio.”
Não se formou na Cordon Bleu por um triz, em função da implicância de uma de suas professoras, ele diz, mas passou por restaurantes estrelados nos quais aprendeu muito na prática.
No Evvai, duas estrelas Michelin, desenvolveu-se como cozinheiro, e até hoje tem o chef Luiz Filipe Souza como um mestre. Aprendeu a fechar massas com maestria, a fazer base de molhos e a ter responsabilidade.
O que o atraiu ao Maní, em seguida, foi o funcionamento da engrenagem dos negócios do grupo. “Fiz arroz por dez meses. Arroz de chorizo, arroz de polvo, arroz de suã. Cozimento de arroz, caldo de arroz, bases para arroz. Repetição, repetição, repetição.”
À época, bateu o carro, deu perda total e, com o dinheiro do seguro, foi para a Europa, onde passou por estágios em Portugal, na Dinamarca e na Irlanda sem ganhar nenhum tostão.
No estrelado Belcanto, de José Avillez, um dos mais importantes chefs de Lisboa, trabalhou durante uma temporada de verão – “foi um dos restaurantes mais divertidos em que eu já trabalhei.” Era responsável pelo preparo de três snacks – um bombom de foie gras; um sanduichinho de pele de frango recheado com lula e patê de fígado de bacalhau; e um tartar de atum com molho cítrico.
Sua experiência mais difícil e estafante foi no dinamarquês Jordnær, em Gentofte, nos arredores de Copenhague, onde os próprios cozinheiros faziam o serviço de sala –não havia garçons. “Foi muito pesado. A gente entrava oito da manhã e saía duas da madrugada. Os estagiários eram divididos como num exército, tudo era extremamente limpo, organizado, disciplinado. Ninguém falava, trabalhávamos em silêncio. Nunca vi nada igual.”
Iago passava seis horas seguidas separando flores comestíveis. As flores tinham de ser organizadas em potinhos etiquetados para cada um dos pratos do menu de 18 tempos. A cada hora de trabalho, instaurava-se uma pausa de alguns minutos de música. “Eram tarefas muito repetitivas, e isso ajudava a dar uma acordada.”
Esse trabalho, que envolvia ainda selecionar frutas vermelhas ultraperfeitas e, na ausência de estoque, partir do zero todos os dias para o intenso serviço da noite, disparou algumas crises de ansiedade.
“A cozinha alterou gravemente a minha cabeça. O estresse era muito grande. No final, já tinha passado do físico, de coceiras e dores no corpo, para o mental.”
Mais tarde, em Dublin, na Irlanda, foi trabalhar num pub com um amigo, com quem morou de favor –dividiu até a cama com ele. Antes disso, tentou um estágio em Barcelona, no Disfrutar, reconhecido como o restaurante mais criativo do mundo. As negociações estavam em andamento, mas um problema no passaporte o impediu de ingressar na cozinha. Voltou ao Brasil.
A essa altura, o Jacó já estava desenhado em sua cabeça. “A cozinha é uma arte como outra qualquer. Às vezes, um prato não nasce de um ingrediente, mas de uma paleta de cores.” Costuma abrir o “Dictionary of Color”. Admira laranjas, roxos, beges, pensa na cenoura, na batata-doce e cria a partir disso. “Na natureza, os alimentos também estão harmonizados por meio das cores.”
Em uma das últimas viagens de pesquisa, nas quais passou por Viena, Madri, Oslo, Londres e Portugal, e colecionou uma série de referências para o novo bar que abrirá em breve, o Destil, comeu, bebeu e visitou museus. “Tudo era referência o tempo todo. Eu estava com um designer, um estilista e um artista plástico. Aprendi muito.”
“De Stijl” é um movimento artístico holandês do início do século 20, que deu origem a Bauhaus. “O branding e a arquitetura do bar vêm disso”, conta. O projeto está em construção com um designer austríaco e com um artista plástico, representado pela Galeria Vermelho, no Brasil, e pela Baró, na Espanha. “Tudo será feito por nós: as cadeiras, as mesas, as paredes de concreto pigmentado.”
Com apelo artístico, o Destil terá um balcão que, para além de sua utilidade, também será objeto de decoração, com concepção feita em Oslo, pela empresa que assina os balcões mais famosos do mundo.
Trata-se também de um projeto arrojado na coquetelaria, idealizado com referências coletadas em mais de 20 bares ao redor do mundo. “Os bares não são mais só bares, são uma marca de bebida. Vamos destilar nossas próprias bebidas e fazer nossos coquetéis”, diz Iago, que compreende o projeto como um experimento de design, de marca e de arte.






