O domínio no desenvolvimento de chips de inteligência artificial transformou a Nvidia (por enquanto) na terceira companhia mais valiosa do mundo, aproximando-se rapidamente da Apple e da Microsoft.

kimberly powell

Mas a Nvidia não é só chips.

Há muitos anos a companhia fundada por Jensen Huang mantém uma divisão de negócios focada em healthcare que desenvolve, em parceria com biotechs e cientistas, plataformas para pesquisas em biomedicina e aplicações para a medicina personalizada.

Com a ascensão da inteligência artificial generativa, essa área das ciências passará por uma revolução, disse Kimberly Powell, a vice-presidente de healthcare da Nvidia, numa conversa com o Brazil Journal

“Temos pela primeira vez na história os ingredientes necessários para trazer a IA generativa para a biologia,” disse Kimberly, que está há 16 anos na Nvidia, seis deles no cargo atual.

Na entrevista a seguir, a executiva comentou os recentes avanços de aplicações da IA na saúde, entre eles as inovações que ajudarão a popularizar recursos de alta tecnologia e contribuirão com a realização de cirurgias mais precisas.   

Quais são as aplicações mais promissoras da IA ​​generativa na área médica?

O início da revolução na biologia digital ocorreu com os instrumentos e aparelhos que tiram fotos e colhem informações do corpo humano. Na geração seguinte veio o sequenciamento de DNA. Foi possível, por exemplo, pegar uma amostra de um ser humano, observá-la e identificar células cancerígenas.

A Nvidia foi pioneira em duas revoluções computacionais críticas.

A primeira, há 15 anos, foi a computação acelerada (processamento paralelo para acelerar as tarefas). Foi o que permitiu que a digitalização da biologia acontecesse. Agora, com a IA, podemos combinar esses dados e automatizar a interpretação deles.

Com a IA, poderemos também projetar sensores e aparelhos mais compactos e mais baratos, o que significa implantar esses instrumentos em áreas do mundo que de outra forma não teriam condições de comprá-los.

Uma de nossas parceiras, a Oxford Nanopore Technologies, do Reino Unido, possui um sequenciador genético que cabe na palma da mão. O processamento é feito na nuvem, então o aparelho pode ser levado a praticamente qualquer lugar.

Essa empresa foi comprada pela GE Healthcare, que já desenvolveu um ultrassom móvel – um aparelho que também pode funcionar com a ajuda de IA em tempo real.

Pessoas sem um grande treinamento técnico específico poderão usar o aparelho e realizar exames. É um recurso que poderá beneficiar dois terços da população mundial que hoje não têm acesso a esse tipo de tecnologia.

Outro campo muito interessante é a descoberta de medicamentos.

Como a inteligência artificial vai contribuir na pesquisa de remédios e terapias?

A forma como descobrimos os novos medicamentos ainda é um processo muito artesanal. Depende de um profundo conhecimento científico aliado a uma capacidade de fazer experimentos para vermos como a biologia funciona e então tomar decisões sobre qual pode ser o efeito.

O desafio é que as possibilidades são quase infinitas.

Deixe-me dar uma ideia da escala da biologia digital. O número de compostos químicos potencialmente existentes e um dia poderiam ser usados como medicamentos é 10 elevado a 60, ou seja, 10 com 60 zeros.

Temos agora essas novas terapias com tecnologia de mRNA. O potencial de combinações é de 10 elevado a 160. Então estamos olhando para um espaço infinito.

Se continuarmos com a abordagem artesanal, será impossível descobrirmos os medicamentos que precisamos para as doenças conhecidas e doenças futuras.

Temos, pela primeira vez na história, os três ingredientes necessários para trazer a IA generativa para a biologia.

Podemos digitalizar a biologia em uma escala muito, muito grande. Temos sequenciamento completo do genoma, triagem de alto conteúdo, laboratórios de robótica que produzem dados 24 horas por dia.

Temos os modelos como GPT (generative-pretrained transformer, um modelo de linguagem de IA generativa), que podem ser adaptados para compreender a linguagem própria da biologia.

Por fim, dispomos de recursos computacionais gigantescos, que nos permitem treinar esses modelos. Esses softwares de IA podem raciocinar e interpretar os dados de maneiras novas e profundas.

É uma revolução computacional no processo de descoberta de medicamentos. Seremos capazes de fazer infinitas simulações, com possíveis reações e interações.

Esse conceito foi iniciado pelo Google, como a DeepMind, quando eles lançaram o AlphaFold. Foi um avanço muito profundo para a biologia.

Foi possível usar uma sequência digital de uma proteína, de apenas 20 letras em uma sequência de 200.000 letras, colocá-la em um modelo de IA que sugere uma estrutura da proteína.

Esse é o maior avanço na biologia em muitas e muitas décadas, porque a compreensão da estrutura da proteína permite-nos compreender a sua função e, portanto, podemos pesquisar o que vamos introduzir na proteína para alterar a sua função, o que é, em última análise, é do que se trata a descoberta de medicamentos.

Essa nova tecnologia vai transformar também a maneira como o Food and Drug Administration (FDA) e outras autoridades avaliam a aprovação de novos medicamentos, acelerando o processo?

Ainda vai levar tempo. A indústria tem que ser muito cautelosa.

O processo de descoberta de medicamentos tem uma taxa de fracasso de 90%. O mundo gasta US$ 250 bilhões todos os anos em pesquisa, com uma taxa de insucesso de 90%.

Então, quem sabe poderemos reduzir a taxa de insucesso selecionando os melhores candidatos para os testes clínicos. Uma razão pela qual os ensaios clínicos falham é que não encontramos os pacientes certos para o ensaio.

Essa seleção avançará muito com a ajuda dos modelos de IA generativa. Existem muitas empresas e plataformas trabalhando nessa área.

Uma delas é a Abridge. O aplicativo no celular possibilita uma ótima interação do paciente com o médico, poupa exames e muitos minutos semanais de consultas.

Outra parceira nossa é a Hippocratic AI. Um paciente que tenha passado por um procedimento médico e já teve alta pode ser acompanhado em detalhes. Funciona também como uma enfermeira digital, lembrando a pessoa de tomar algum remédio, por exemplo. É possível ‘conversar’ de maneira muito natural com o assistente virtual.

Veremos a IA na sala de cirurgia?

Os cirurgiões vão poder conversar com a IA e pedir exames de imagem do paciente, ou perguntar se o tumor foi totalmente retirado.

E os médicos gostaram desse tipo de novidade ou se veem ameaçados?

Os sistemas de IA funcionarão como copilotos. Não se trata de substituir humanos.

Estamos falando de oferecer aos médicos todas as ferramentas e informações necessárias para que eles tomem as melhores decisões. Será um ganho de eficiência bem-vindo para que eles cumpram a sua missão de cuidar das pessoas.