Nos últimos anos, a família Menin criou valor em todos os seus negócios, que hoje possuem um ‘market cap’ combinado de R$ 23 bilhões.
Nos seus 12 anos como empresa listada, a MRV Engenharia, o negócio original da família, quintuplicou seu valor patrimonial, e, no ano passado, fez um spinoff — a Log Commercial Properties — que já vale R$ 1,7 bilhão na Bolsa. O Banco Inter, reinventado como banco digital por um dos herdeiros, já vale quase R$ 14 bilhões e atraiu o Softbank como acionista.
Agora, o mercado está questionando se uma transação proposta pela família cria um conflito de interesses — ou, colocando de outra forma, se um controlador colocaria em risco sua reputação para um lucro de curto prazo.
O debate começou com a decisão da MRV de assumir o controle da AHS Residential, uma incorporadora na Flórida fundada e controlada por seu chairman, Rubens Menin.
A notícia sobre a iminência da transação — que envolve partes relacionadas — saiu ontem na Bloomberg, mas a falta de informações oficiais e detalhadas fez o mercado bater na ação da MRV ao longo do dia. A ação caiu mais de 6% hoje, com os investidores temendo potenciais conflitos de interesse dada a participação de Menin nas duas empresas.
A AHS é uma empresa de propriedades verticalizada que compra terrenos, desenvolve projetos, constrói e aluga apartamentos. Com os imóveis performados (isto é, com 95% do prédio alugado) a AHS tipicamente vende 90% do equity nos projetos para fundos de investimento, mantém 10% de participação e continua gerenciando a propriedade.
Num fato relevante publicado agora à noite, a MRV disse que vai injetar em torno de US$ 236 milhões na AHS para ficar com 51% do negócio. Para evitar que o caixa fique ocioso, a transação será feita em três fases. Na primeira, que acontece agora, a MRV adquire 20% da empresa fazendo um aumento de capital de US$ 46 milhões. Os outros 31% serão adquiridos em duas etapas, em 2021 e 2022, em valuations pré-acordados.
Depois da transação, que ainda será submetida à assembleia de acionistas, a MRV terá 51% da AHS, e uma holding da família Menin terá 46,3%. A Silverpeak, uma gestora de investimentos alternativos que hoje tem 5,5%, será diluída para 2,7%.
A família Menin tem 33% da MRV.
Fundada em 2013 por Rubens Menin e um sócio, Ernesto Lopes — um incorporador brasileiro que se mudou para Florida há 20 anos e é o CEO da companhia — a AHS opera num nicho de mercado conhecido nos EUA como “workforce”, em que o aluguel médio de um apartamento é de US$ 1.400/mês e as famílias têm renda anual entre US$ 37 mil e US$ 87 mil.
Trata-se de um nicho intermediário entre o chamado “low-income housing tax credit,” que conta com benefícios fiscais e subsídios do governo, e o segmento de alta renda, explorado por grandes incorporadoras como Lennar e DR Horton. É também um nicho que se mostrou defensivo e resiliente na recessão que se seguiu à crise de 2008.
Rubens acompanha os projetos da AHS a partir de seu tablet — e costuma mostrar o avanço das obras com orgulho a acionistas da MRV que o visitam em Belo Horizonte.
Cada projeto da AHS tem cerca de 200 apartamentos de dois quartos (cerca de 70 metros quadrados), paisagismo diferenciado e próximos ao transporte público. A empresa já tem 2.000 apartamentos — em construção ou já prontos — no Sul da Flórida, em projetos de nomes como “Village at Lake Worth”, “Princeton Groves” ou The Club at Crystal Lake.”
Num mercado de capitais com um histórico de abuso por parte de acionistas controladores, uma transação com partes relacionadas sempre expõe controladores a críticas. Neste caso, como Rubens fica com uma participação nas duas empresas (e o percentual que terá na AHS é maior do que na MRV), os investidores podem questionar como os custos serão alocados entre elas, o que, em tese, pode favorecer uma empresa em detrimento da outra.
Agora à noite, Rubens disse ao Brazil Journal que, com os dados publicadas hoje, o mercado deve entender os méritos da transação.
“Hoje a nossa família tem três empresas listadas com um valor de mercado de mais de R$ 23 bilhões, ou seja, a nossa reputação tem um peso enorme. Qualquer operação societária que possa me favorecer nunca compensaria o que temos a perder em valor de mercado. E mais: se um dia for para deixar dinheiro na mesa, tem que ser a família, nunca a MRV.”
Ele disse entender as preocupações de que, ao ter 45% da AHS e apenas 33% da MRV, ele poderia estar de alguma forma desalinhado com os acionistas de MRV, mas não considera ser este o caso.
“Eu sempre tendo a equilibrar as minhas participações para evitar esse tipo de percepção, e acho que neste caso as participações são bem próximas uma da outra. Se a MRV comprasse uma participação maior na AHS agora, isso empoçaria o caixa lá e poderia fechar as portas para oportunidades estratégicas que a gente pode ter no futuro [com a AHS].”
Segundo a MRV, a AHS tem um ‘yield on cost’ — uma métrica de rentabilidade sobre o custo de construção — de cerca de 7%, e consegue vender seus projetos performados a um ‘cap rate’ ao redor de 5%. A empresa tem conseguido subir o aluguel acima da inflação americana, obtendo uma taxa interna de retorno de cerca de 20% nos projetos.
“Para a AHS dobrar de tamanho, ela precisa de equipe e equity, e essa transação com a MRV vai conseguir as duas coisas: nós vamos mandar executivos do Brasil, recursos e gestão,” disse o CEO Rafael Menin.
“Um analista me perguntou há pouco por que a gente simplesmente não recompra a ação da MRV e deixa que o investidor, se quiser, compre uma incorporadora lá fora. Essa é uma lógica de gestão de portfólio, mas não uma lógica empresarial. O Brasil enfrenta crises de tempos em tempos. Essa transação vai nos colocar em outro mercado, com um ciclo econônomico diferente do Brasil, e, daqui a 10 anos, a AHS pode dar de resultado o que a MRV dá hoje.”
O investimento na AHS representa, para a MRV, um desembolso de R$ 300 milhões por ano num período de três anos. Para efeito de comparação, a MRV investe cerca de R$ 600 milhões por ano em terrenos.
“Ou seja, por metade do que a gente investe em terrenos — e num período de apenas três anos — a gente vai criar um negócio que pode dar US$ 400 milhões de resultado daqui a 10 anos. E como a MRV terá 51%, a fatia dela será de US$ 200 milhões, exatamente o tamanho do nosso resultado anual hoje.”