Na quarta-feira passada, a publicação de um índice de inflação americano acima do esperado foi um soco na boca de diversos fundos multimercado brasileiros.

A abertura dos Treasuries – que também fez abrir a curva de juros brasileira –  foi na contramão de uma das teses centrais da maior parte dos gestores, que buscam há meses capturar uma queda de juros que até o momento não aconteceu.

Mas o que está ruim sempre pode piorar.

Numa indústria que sofre saques incessantes desde 2022, os eventos dos últimos dias estão agravando uma situação já dramática – e aprofundando a crise existencial deste nicho relevante da indústria de fundos.

“Se a curva de juros stressar mais, vamos ter corpos boiando,” disse um banqueiro veterano. “A ‘molecada’ nunca viu limite de alta no DI.”

Nos últimos dias, com o mercado operando a tensão no Oriente Médio, os juros abriram ainda mais nos EUA – o yield dos Treasuries de 10 anos foi a 4,65% – e também no Brasil – o rendimento do DI para janeiro de 2027 disparou de 10,5% no fechamento da sexta-feira para 11% hoje.   

Além do cenário externo, a curva também está sendo afetada pela confirmação de que a meta fiscal de 2025 será alterada. Em vez de um superávit primário de 0,5% do PIB, o Governo agora promete déficit zero, assim como em 2024.  

Em meio a este cenário, a rentabilidade dos multimercados permanece frustrante. A maior parte da indústria continua entregando rendimentos abaixo do CDI – o principal benchmark da categoria.

Os multimercados de estratégia macro estão com uma rentabilidade média de apenas 0,56% desde o início do ano, contra 2,9% do CDI. Nos últimos 12 meses, o ganho ficou em 7,98%, contra 12,4% do CDI. São os últimos dados disponíveis, que ainda não capturam o estresse de ontem e hoje.

Mesmo considerando janelas mais longas, de 24 ou 36 meses, os fundos que bateram o CDI representam menos de 30% do total.

Quando comparados com os investimentos isentos, o desempenho da maioria dos multimercados fica ainda menos atraente. Como resultado, os investidores estão fugindo em massa dessa categoria de aplicação, no movimento oposto ao que havia ocorrido nos tempos de juros baixos e popularização das novas plataformas de investimentos.

Os multimercados tiveram retiradas líquidas de R$ 28,2 bilhões no primeiro trimestre do ano, de acordo com a Anbima, enquanto a indústria de fundos como um todo teve uma captação positiva de R$ 105 bilhões.

O desempenho ruim se soma a 2023 para esquecer, quando os multimercados registraram o pior ano da história em termos de captação. Os resgates líquidos somaram R$ 134 bilhões.

“Entre 2018 e 2021, os investidores entraram em pânico porque temiam que não haveria mais ganhos com a renda fixa e migraram para os investimentos de risco. O brasileiro foi da poupança para o cripto em questão de segundos,” comentou o sócio de uma das maiores gestoras independentes do País.

“Mas quando os juros passam de 10% ao ano ou chegam a 1% ao mês, o comportamento é outro,” disse esse executivo. “Ainda mais depois que muitos saíram chamuscados com perdas em aplicações que mal entendiam como funcionava.”

Para o gestor de um outro grande fundo, a vida ficou ainda mais complicada quando o benchmark, na prática, deixou de ser o CDI puro e simples para ser o CDI plus – ou seja, o CDI livre de IR.

“Um imposto de 15% faz muita diferença, na hora comparar a atratividade entre as aplicações,” afirmou. “Precisamos entregar CDI + 6% apenas para ficarmos equivalentes aos isentos. Estamos concorrendo com investimentos sem ‘come-cotas,’ baixo risco e liquidez infinita.”

O Governo recentemente apertou as regras para coibir a “farra dos isentos” e isso deverá ajudar os multimercados.

“O viciado em renda fixa isenta tinha dez drogas disponíveis na prateleira. Agora tem duas, e o preço subiu,” disse um gestor do Leblon. “Estamos voltando, aos poucos, a um mundo mais normal, depois do choque dos juros e dos isentos.”

Mas outra medida recente do Governo – o fim da isenção dos fundos exclusivos – incentivou o resgate de multimercados.

A combinação de menor patrimônio sob gestão e desempenho abaixo do CDI é um ataque duplo às principais fontes de receita das gestoras independentes. Elas faturam menos com a taxa de administração e ficam sem a taxa de performance cobrada sobre o excedente de ganho em relação ao benchmark.

Os sócios de alguns dos mais longevos fundos do País prevêem – batendo na madeira – que um desempenho melhor virá com a queda dos juros nos EUA e no Brasil. A expectativa, neste momento, ainda é de obter uma boa performance positiva em 2024 e 2025.

As casas maiores diversificaram seus negócios, criando áreas de previdência e crédito. Com isso, ficam menos sujeitas à volatilidade e possuem gás para cruzar o deserto.

“Mas tem gente que não vai sobreviver, já começamos a ver uma consolidação,” disse o executivo responsável pela alocação de fundos em um dos principais bancos do País.

Será um movimento de refluxo em relação ao visto a partir de 2018, quando houve uma explosão no número de gestoras.

A TAG Investimentos fez uma análise da indústria de fundos e concluiu que uma gestora precisa de ao menos R$ 400 milhões em ativos para ficar de pé e sustentar um escritório bastante enxuto, já pagando impostos e rebates. Detalhe: nesse cenário, os fundadores e sócios não fariam nenhuma retirada.

É um “modo sobrevivência” comum no atual período de vacas magras na Faria Lima e no Leblon. De acordo com a TAG, quase metade das 970 gestoras em atividade não fica hoje acima dessa “linha d’água” entre a vida e a morte.

Em todo o mundo, a indústria de multimercados passa por uma transformação profunda, com os gestores mavericks de fundos one-man show perdendo espaço para os ETFs e os quants. A cada dia fica mais difícil encontrar assimetrias relevantes para serem exploradas.

No Brasil, em particular, o mercado ainda está processando os efeitos das mexidas na tributação e na regulação.

“Nosso mercado está passando por um rearranjo e ainda não sabemos qual será a sua nossa configuração,” resumiu o sócio de uma grande gestora independente.

Alocadores de fundos e gestores de family offices dizem que os multimercados continuarão sendo uma categoria importante para os portfólios porque possibilitam a exposição a uma maior diversidade de estratégias com posições em diferentes mercados ao redor do mundo.

A verdadeira linha d’água para os multimercados será a performance.