Nunca foi por dinheiro.

Ao abrir Cezar, a biografia de Luiz Cezar Fernandes que chega às livrarias dia 17 (Editora Best Business, 350 páginas, compre aqui), minha curiosidade era simples e potencialmente incômoda.

Como será que ele se sentia ao ver que o banco que criou transformou André Esteves – o jovem que ele contratou para a área de tecnologia – num bilionário, enquanto ele próprio, entre altos e baixos, nunca alcançou o Olimpo financeiro de seu antigo colaborador?

A resposta, como deixa claro o biógrafo de Cezar, Alessandro Greco, toca o coração do personagem: não era sobre cifras, e sim sobre propósito. Greco mostra um protagonista movido por criatividade, desafio e a construção de projetos, mais do que pela acumulação de riqueza. Fica muito claro em diversos momentos que a motivação de Cezar ia além do dinheiro.

Um dos grandes banqueiros de investimentos do Brasil, ele criou ou ajudou a criar bancos, sistemas, operações, enfim, toda a gênese do sistema financeiro moderno. Sua biografia chega em boa hora, num momento de profundas transformações impulsionadas pela revolução tecnológica.

O livro delineia um personagem que mede sucesso por originalidade e execução, alguém que prefere o risco criativo à estabilidade confortável. Ao contrapor sua trajetória à de Esteves, a biografia evita o clichê da “inveja” e revela outra régua: o legado está na construção de plataformas e pessoas, não apenas no patrimônio final.

Tanto assim que é Esteves quem assina o prefácio da obra. Numa época em que sucesso é medido por likes e influencers, Greco dá vida a um personagem singular, símbolo de uma época em que era tudo mato no mercado financeiro. Talvez o mato não seja a analogia mais correta: era um faroeste. E Cezar, com certeza, um dos gatilhos mais rápidos do Oeste.

Diversas decisões-chave de Cezar na carreira mostram que a busca por desafios e a aversão ao tédio superavam o conforto financeiro ou a estabilidade.

Em 1968, mesmo com o Bradesco lhe oferecendo o dobro do salário e moradia paga para assumir um posto desafiador em Belo Horizonte, Cezar pediu demissão. Argumentou que, se pedisse demissão ao ser rebaixado para Madureira, pareceria que era por causa do rebaixamento; mas agora que reconheciam que ele era bom, era a hora de sair. Saiu sem ter outro emprego em vista.

Aceitou então uma oferta para trabalhar na corretora Levy. Depois deixou a corretora em 1971. O motivo: apesar do lucro espetacular que ele ajudou a corretora a angariar, seu bônus foi reduzido de forma drástica. Profundamente irritado com a situação, Cezar ligou para Jorge Paulo Lemann e nunca mais voltou para o escritório da Levy, nem para pedir demissão. A insatisfação com a falta de reconhecimento ou a diminuição do lucro acordado foi um motivador maior do que o dinheiro em si.

Lemann estava na Corretora Garantia, onde nasceu o Banco Garantia, uma construção cujo principal pilar era a sociedade de Lemann e Cezar. Juntos fizeram história.

O Garantia era uma das estrelas do que havia de mais moderno no mercado financeiro. Cezar via o Garantia como um sucesso, mas estava cansado da sua situação e, após a pressão dos sócios (especialmente Beto Sicupira) para manter a Lojas Americanas no portfólio do grupo, decidiu sair.

Criou seu segundo banco de investimento, o Pactual. Via banco de investimento como arte: para ele, investment banking é uma empreitada criativa, feita de incertezas e imaginação aplicada.

A inovação e a vontade de resolver problemas de infraestrutura no mercado financeiro brasileiro são marcas claras de que o trabalho não era apenas sobre lucros. Cezar contribuiu ativamente para a criação da Selic, da Cetip e do CDI, mecanismos fundamentais que modernizaram a custódia e liquidação de títulos e a taxa interbancária no Brasil.

A criação do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) foi motivada pela necessidade de tornar a compra e venda de títulos eletrônica, devido ao crescimento do mercado e à alta de falsificações. Quando o Banco Central disse que a ideia era “maluca” por falta de dinheiro, Cezar não se conformou e foi ao mercado buscar apoio.

Ele sugeriu a criação do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) inspirado pelo que viu em sua visita à Goldman Sachs. O CDI permitiu que o ajuste de caixa fosse feito diretamente entre os bancos, tornando o sistema mais eficiente.

Mesmo após o BC se recusar a incluir títulos privados no Selic, Cezar copiou o projeto e criou a Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados (Cetip), garantindo que o registro e custódia desses ativos se tornasse eletrônico.

O livro mostra, em episódios concretos, que a motivação central de Cezar era criar, não acumular. 

Outro traço marcante de sua personalidade que Greco deixa claro era seu compromisso com honra e legado. A maneira como Cezar lidou com a crise de seus negócios pessoais é um forte indicativo de que a honra e a sobrevivência de sua criação (o Pactual) eram mais importantes do que sua fortuna pessoal imediata.

Quando se endividou pesadamente com suas empresas pessoais, Cezar sentiu a pressão para vender o restante de suas ações no Pactual. Embora seu advogado o aconselhasse a não vender, Cezar temia que sua dívida pessoal afetasse a confiança do mercado na capacidade financeira do Pactual e colocasse em risco a sobrevivência do banco.

A decisão de vender a maior parte de suas ações foi tomada em um momento de extremo estresse e lhe custou a perda do controle do banco, mas ele acreditava que “assim tinha que ser feito”.

A paixão pela bricolagem – construir com as mãos, projetar móveis, resolver problemas – revela o mesmo impulso de criar e aperfeiçoar que o moveu no mercado de investimentos. A bricolagem e a ênfase na diversão e na excelência aproximam o leitor do homem por trás do banqueiro. As escolhas de Cezar ajudam a entender um período crucial das finanças brasileiras.

Greco fez uma biografia elegante e convincente sobre um “banqueiro-artesão” que escolheu o projeto à fortuna. Ao fim, permanece a sensação de que sua maior obra não foi um número, mas um modo de fazer e de pensar finanças com imaginação e coragem.

Mara Luquet é fundadora do canal MyNews.