BUENOS AIRES – Não foi impossível de se reservar, como acontece com restaurantes premiados da Europa, como o Septime, de Paris, ou o Osteria Francescana, de Módena.

Mas, para uma quarta-feira normal de junho, a reserva para almoço, mesmo feita com três semanas de antecedência, só estaria disponível para o horário de 15h.E ainda havia o aviso de que nossa mesa seria na calçada.

Tudo bem, dissemos, já nos preparando psicologicamente para almoçar ao ar livre no frio de fim de outono portenho. Valeria a pena porque, afinal, aquela seria a oportunidade de voltar a um dos restaurantes mais badalados e aclamados dos últimos anos na América Latina, a famosa parrilla Don Julio, no coração de Palermo, em Buenos Aires.

Portador de uma estrela Michelin, o Don Julio voltou a se destacar esta semana na premiação World’s 50 Best Restaurants. Depois de ser escolhido como o melhor da América Latina em 2024, a parrilla apareceu agora como o 10º do mundo pelo segundo ano consecutivo. 

No continente, só duas outras casas tiveram reconhecimento semelhante: o Maido, de Lima, que encabeça o ranking, e o carioca Lasai, a pequena jóia do chef Rafa Costa e Silva, na 28ª colocação.

Apesar de todo o reconhecimento internacional, muitos ainda se perguntam se uma casa especializada em carnes mereceria estar entre os melhores restaurantes do mundo. Não tenho resposta direta a essa questão, mas posso garantir uma coisa: a experiência de comer no Don Julio é um enorme prazer.

A começar pelo que mais importa, a comida. Tudo o que é servido possui altíssima qualidade, o que já o diferencia de outras casas de carne locais. Iniciamos o almoço com duas entradas para compartilhar: um “chorizo bombón”, que vem a ser uma linguiça de porco de raça Duroc, surpreendentemente temperada e apimentada, e um favorito pessoal, a morcilla.

A morcilla do Don Julio é um caso à parte. Poetas deveriam escrever odes a ela. Para quem não sabe o que é, trata-se da tradicional linguiça de sangue típica da Argentina (em português, morcela), um gosto adquirido para muitos, mas bastante apreciada aqui na Argentina. No Don Julio, ela é cremosa, suave, quase adocicada. Um prazer, enfim, e completamente diferente das que encontramos no Brasil. 

No prato principal, a carne foi outro ponto alto. Pedimos para compartilhar um “bife de chorizo ancho” (chamado em inglês no cardápio de “prime rib steak, boneless”) de 500 gramas, ao ponto da casa. O bife veio perfeitamente cozido, quente, e era macio e suculento. Um dos melhores que comemos nos últimos anos, posso assegurar. 

Para acompanhar, excelentes batatas fritas rústicas, crocantes por fora e cremosas por dentro, combinando perfeitamente com o molho chimichurri da casa. De sobremesa, panquequinhas de doce de leite, que estavam corretas, mas não surpreendem.

O Don Julio possui uma adega com 15 mil garrafas de vinhos argentinos, incluindo os melhores produtores do país. E tem o mérito de, mesmo sendo um lugar caro, oferecer opções para todos os bolsos e gostos, o que é cada vez mais raro em Rio e São Paulo.

Uma sugestão: explore a carta e evite tomar o “malbecão” concentrado de sempre, dando preferência a opções com cortes ou varietais de uvas menos conhecidas, como Petit Verdot, Cabernet Franc ou Bonarda. Nós escolhemos um Cheval des Andes 2021, com 49% de Cabernet Sauvignon, 48% de Malbec e 3% de Petit Verdot, com lindos toques de fruta vermelha, flores e uma leve baunilha. Descobrimos depois que essa safra recebeu 98 pontos do crítico James Suckling.

Há ainda a questão do preço. O Don Julio é caro, mesmo para o atual padrão de Buenos Aires na era Milei. Muitas excelentes parrillas portenhas oferecem custos mais em conta e excelentes experiências gastronômicas. Amigos argentinos chegaram a rir quando contei o valor final da conta.

Nosso almoço para duas pessoas – que consistiu em uma boa garrafa de vinho e duas de água, três entradas, um prato principal e acompanhamento, e uma sobremesa – custou 454.500 pesos, sem gorjeta. Pelo câmbio atual, isso significa cerca de US$ 400.

Definitivamente não é barato, principalmente para um almoço de dia de semana. Também não sei se consideraria o Don Julio como um dos dez melhores restaurantes do mundo. Mas trata-se, sem dúvida, de uma grande experiência com o que existe de melhor na gastronomia do vizinho. Podendo, eu voltaria.

Flávio Ribeiro de Castro ama comer e beber bem.