Em dezembro, dias depois de tomar posse como o novo presidente da Rio Ônibus, Claudio Callak foi até a Prefeitura do Rio para uma audiência com o chefe do executivo municipal, o bispo Marcelo Crivella.

Cinco horas depois do horário agendado, o presidente da organização que representa as empresas de ônibus da cidade ainda estava tomando um chá de cadeira.  O Prefeito nunca apareceu, e uma assessora veio pedir desculpas.

10524 394e314a 1701 0000 0000 1d2097053990Nos jornais, Callak bateu seco:  “Isso não faz parte da minha educação.”

Dias antes, Callak havia comprado meia página em O Globo, onde publicou uma carta aberta a Crivella. Intitulada “Tudo ou Nada”, a carta descrevia a situação calamitosa das empresas de ônibus e pedia que a Prefeitura respeitasse o contrato de concessão.

Callak botava a mão em vários vespeiros de uma vez:  dizia que as gratuidades sem contrapartida oferecidas pela Prefeitura estavam matando as empresas e reclamava da leniência com as vans — em muitos casos um transporte clandestino que, na geografia carioca, serve como instrumento de arrecadação das milícias.

Com um estilo ao mesmo tempo combativo e ponderado e uma abordagem técnica de problemas endêmicos, Callak está se tornando o lobista mais eficaz de um setor que precisa de nada menos que um milagre:  substituir a relação historicamente promíscua e escandalosa com o Poder Público — de quem é concessionário e refém — por um novo tipo de interlocução, num dos setores da economia de maior impacto social.

Décadas de incesto entre empresários do setor e políticos, aliadas a um serviço decadente (em boa parte, segundo ele, por contratos mal cumpridos) colocaram os empresários de ônibus entre os mais odiados do País. 

No ano passado, o antecessor de Callak no cargo, Lélis Teixeira, e o ‘Rei do Ônibus’ do Rio, Jacob Barata Filho, conseguiram a proeza de serem presos em duas operações da Polícia Federal — e a proeza maior ainda de serem soltos três vezes pelo Ministro Gilmar Mendes.

Logo que assumiu a Rio Ônibus, Callak fez um tour das redações de rádio, jornal e TV do Rio.  Sua mensagem:  “Assim como o consumidor é vítima do mau serviço, o empresário também é vítima da insegurança jurídica dos contratos.” 

As tribulações dos empresários de ônibus do Rio são um microcosmo da insegurança jurídica que afeta boa parte dos setores regulados da economia e das dificuldades de se empreender no Brasil.

Até a gestão de Eduardo Paes, os empresários de ônibus do Rio sequer tinham um contrato de concessão com a prefeitura — e os reajustes eram autorizados com base na boa vontade do prefeito, no seu capital político, ou em coisa pior.

“Meu compromisso é com o futuro, e isso começa com resgatar a nossa credibilidade,” diz Callak.

Em 2010, quando o contrato de concessão foi assinado, a frota de ônibus do Rio tinha idade média de 2,5 anos e era a mais jovem do País; hoje, a idade média é de 5,6 anos.  De lá para cá, das 49 empresas signatárias do contrato, 13 quebraram.

Formado em direito pela PUC-Rio e casado com a herdeira de uma empresa de ônibus, Callak fez carreira no negócio da catraca.  Começou na empresa do sogro como estagiário na década de 90 e o substituiu quando ele se aposentou, em 2009.

Ao assumir a Rio Ônibus, Callak recrutou apoio externo: contratou o Barbosa Müssnich Aragão para implantar procedimentos de compliance e reformar os estatutos da entidade; a Ernst & Young para auditar suas movimentações financeiras; e a Fundação Dom Cabral para reformar toda a área administrativa e educacional da Rio Ônibus e dos quatro consórcios que a compõem.

A relação entre o Poder Público e os concessionários é regida por contrato, mas as demandas sociais e suas repercussões políticas sempre fizeram com que, na prática, a relação se baseasse no improviso — e em “uma mão lava a outra”.

No início de 2016, o prefeito Eduardo Paes assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Estadual prometendo climatizar 100% dos ônibus até o final do ano — mas não combinou com os empresários.  

“O ar condicionado requer toda uma preparação. Você tem que pedir uma capacidade maior do motor, uma amperagem maior da bateria.. Tudo isso tem que vir de fábrica com as especificações.  A carroceria tem que vir com uma preparação termo-acústica para o ônibus conseguir reter o ar condicionado; não dá pra adaptar,” diz Callak.

“Antes de combinar com o MP, o Prefeito devia ter nos consultado para ver se a gente tinha crédito e capacidade para botar na rua os ônibus que ele prometeu.  Esse ano, eu trouxe os bancos de nicho para conversar com o Prefeito: ele garantiu a estabilidade da tarifa e os bancos garantiram o crédito.” 

(Como, no fim daquele ano, os ônibus continuavam fornos ambulantes, o MP alegou que a Prefeitura descumpriu o acordo e conseguiu na Justiça reduzir a tarifa em 20 centavos.)

Outro problema é a gratuidade.

Até 2016, a Prefeitura do Rio pagava R$ 50 milhões/ano ao pool de empresas de ônibus pela gratuidade — uma verba fixa, independendente do número de passageiros.  Depois, parou de pagar e disse publicamente que estava “botando a gratuidade na tarifa” — o que não era verdade.  Mais tarde, o MPE conseguiu na Justiça uma redução de tarifa (sobre um “aumento” que jamais existira).

“Tanto a Constituição Federal quanto o contrato de concessão impedem que se dê a gratuidade sem apontar prévia fonte de custeio, e no entanto, era isso que estava acontecendo,” diz Callak.

Quase 40% das pessoas que entram num ônibus no Rio usam algum tipo de gratuidade.  Dezessete por cento usam o Bilhete Único, que permite ao passageiro usar dois ônibus pagando um bilhete apenas e cuja receita é rateada entre as empresas (o que faz com que a tarifa média nunca seja igual à tarifa publicada).   Outros 18% são gratuidade para alunos da rede estadual, municipal e universitários (que não estavam previstos no contrato de concessão), deficientes físicos e idosos (um nicho onde a fraude é abundante).

Outro problema da gratuidade é a autodeclaração.  Apesar de desenhado para ajudar apenas estudantes carentes e bolsistas, o benefício é usado por muitos alunos de faculdades privadas, que se declaram ‘carentes’. 

“Você não tem como comprovar se a pessoa necessita ou não. Basta ele entrar na internet e fazer uma declaração de hipossuficiência para ter os mesmos direitos que um aposentado.  Estamos mostrando à Prefeitura que isso é um dos pontos graves que ameaçam o nosso equilibrio econômico-financeiro.  Os termos têm que ser revistos.”  

Este ano, as empresas começaram a instalar um software de biometria facial nos ônibus — a mesma tecnologia embarcada no iPhone. O software compara a foto do titular do vale-transporte com fotos tiradas no ônibus (um software da Microsoft tira seis fotos quando o passageiro embarca e outras seis quando desembarca).

Se o usuário não for o titular, ele passa na roleta normalmente sem constragimentos, mas o titular recebe uma mensagem de que houve uso indevido de seu cartão. Callak diz que o uso da tecnologia diminuiria muito as fraudes, “mas continua sem regulamentação municipal até hoje.”

Em junho, Callak conseguiu que o setor e a Prefeitura fumassem o cachimbo da paz:  os empresários abriram mão de todos as ações contra a Prefeitura, e vice versa.

No acordo, a Prefeitura se comprometeu a manter os reajustes de acordo com o contrato de concessão. Em troca, os empresários vão climatizar 100% dos ônibus, doar R$ 7 milhões em asfalto para as ruas da cidade, e começar a instalar wi-fi e tomadas USB (para o usuário recarregar o celular), além de começar um amplo programa para trazer de volta as pinturas antigas, o que permite que o usuário identifique seu ônibus à distância (uma vitória para os velhinhos de Copacabana).

Além disso, a planilha do setor — receitas e despesas — será aberta daqui para frente.