“Como foi de réveillon?”
Para as quase 2 mil pessoas que pagaram por uma festa particular em Maraú, uma praia escondida no sul da Bahia, 2017 chegou com a cara do que 2016 foi na economia: desordem e escassez.
Faltou banheiro, e muita gente teve que fazer xixi no Oceano Atlântico. Depois, acabou o gelo, e enfim, a bebida. Ricos e famosos terminaram a noite urinando na praia, e o caso deve parar na Justiça.
A festa — batizada de “Península de Maraú Réveillon 2017 – O Melhor Réveillon do Brasil” — acabou sendo o oposto disto. Boa parte dos convidados era do mercado financeiro e do mundo empresarial, predominantemente de São Paulo, um público acostumado a pagar caro por um padrão de serviço impecável.
O tropeço foi obra da Scheeeins, a agência de ‘live marketing’ e entretenimento que fez o evento e cujas festas são patrocinadas por parceiros como a Ambev, Yamaha, Unilever e Brasil Kirin. Com quatro anos de história, a Scheeeins opera no nicho de alto padrão e é dona de pelo menos oito marcas de festas, incluindo a Rio Sunset, a Cordel Estrelado, Drinks & Burger e House of Alice.
Nos últimos anos, festas de carnaval e réveillon em lugares paradisíacos têm se tornado um must entre o público classe A, e as agências têm demarcado seus respectivos territórios. A Keep Young reivindicou para si as dunas de Jericoacara, no Ceará; a Haute fincou bandeira em Trancoso; e a Tamo Junto explora as belezas de São Miguel dos Milagres, na costa alagoana.
Mas se problemas logísticos já são o que qualquer empresário brasileiro espera no dia-a-dia, a organização de festas em lugares remotos impõe um desafio logístico fora do comum. E Maraú, apesar de toda sua beleza, pode se tornar um pântano para as reputações de jovens empreendedores do ramo de baladas.
Quando se diz que a praia é um ‘tesouro escondido’, não se trata de figura de linguagem. O turista tem que voar até Ilhéus, onde aluga um carro e segue por uma estrada asfaltada até Itacaré, num trajeto que dura uma hora e meia. A partir dali, pega-se uma estradinha de terra esburacada por mais meia hora até chegar a Maraú, um vilarejo desprovido de restaurantes, centrinho ou sinal de celular — ali só há pousadas e uma praia maravilhosa.
A Scheeeins vendeu um pacote de cinco dias consecutivos de festas, começando em 27/12 e terminando na noite do 31.
O pacote, vendido no Ingresse.com, custava R$ 2 mil e não incluía o vôo fretado nem a pousada. A conta para um baladeiro solteiro, incluindo toda essa logística, chegava a R$ 8 mil.
Da região das pousadas até o local da festa, o convidado tinha que dirigir seu carro de aluguel por mais seis quilômetros. “Todas as festas atrasaram de uma a duas horas, e a estradinha de mão única virava mão dupla sem ninguém do evento para orientar o trânsito,” disse um convidado que trabalha no mercado financeiro.
A empresa diz em seu site que faz “de cada evento uma experiência única, conectando pessoas e proporcionando momentos inesquecíveis.”
Nas redes sociais, a Scheeeins pediu desculpas pelo fracasso de Maraú. “Tivemos um problema logístico e infelizmente muitos banheiros não chegaram.” A empresa disse que o problema foi pontual e que “nas demais festas ocorreu [sic] bem e tínhamos banheiros suficientes e em boa condição de limpeza. De qualquer maneira é responsabilidade nossa e não estamos jogando a culpa em terceiros.”
Apesar do mea culpa, convidados reclamam que a agência tem deletado posts negativos nas redes sociais e bloqueado quem faz críticas à festa. A Scheeeins nega. Em resposta, um grupo de convidados insatisfeitos criou uma conta no Instagram para “manifestações de opiniões sobre o Réveillon de Maraú”. A conta — “Réveillon Scheisse” (‘merda’ em alemão) — tem vídeos horripilantes dos banheiros e de uma ceia de réveillon esquálida.
Para Paulo Samara, um engenheiro civil que estava no evento, as desculpas não alteram a realidade.
“Pagamos o réveillon com meses de antecedência, e eles organizaram tudo mal e porcamente em cima da hora!!!” fulminou no Facebook. “Fiquei constrangido em ver que meninas não beberam para não se submeterem a fazer xixi na frente dos outros.”
A festa de Maraú foi patrocinada por um sindicato etílico formado pelo whiskey Jack Daniels, a vodca Finlândia, a tequila Jimador, a cachaça Santa Dose e a cerveja Devassa. Outros patrocinadores incluem a Azul, o energético Fusion e o suco Liv.
Samara e outros convidados dizem que, além da problema com os banheiros, faltou sinalização adequada e iluminação nos estacionamentos. “Os carros eram fechados e largados. Impossível uma mulher voltar sozinha no breu.”
Nos bares, faltou gelo, havia poucos barmen, e os copos eram de plástico. A decoração era “praticamente inexistente”. Sobrou até para os DJs: “Um bom DJ faz uma transição suave entre as músicas, mudam a música sem você perceber. Os da Scheeeins pareciam que estavam tocando uma lista do Spotify. Se colocasse um amador com o traktor [programa pra fazer transições suaves entre músicas] fazia melhor.”
Procurado, um sócio da Scheeeins não quis comentar.
Este é o segundo ano em que uma festa da Scheeeins termina numa ressaca de relações públicas. No ano passado, a agência fez a festa em Fernando de Noronha, e o lixo acumulado depois do evento fez o Instituto Chico Mendes, responsável pela biodiversidade da ilha, reavaliar as autorizações em Noronha.
Em seu site, a agência diz que “Scheeeins não se explica, se vive.”
Para muitos convidados — incluindo advogados que estavam na festa e planejam processar a agência — o que aconteceu realmente não tem como ser explicado.