O Governo está considerando medidas para desengessar a indústria de petróleo, o que aumentaria a arrecadação federal e liberaria dezenas de bilhões de dólares em investimentos privados.
Representantes de empresas petroleiras têm tido discussões e encontrado pontos de convergência com o Governo, mas as medidas ainda estão em fase de estudos.
Parte do plano é estender o prazo de concessões de campos que a Petrobrás explora no pré-sal. Trata-se de áreas que a Petrobras ganhou da União em 1998, como parte da chamada Rodada Zero, quando o Governo Fernando Henrique deixou a estatal escolher áreas antes de realizar o primeiro leilão de exploração de petróleo. Além das áreas exclusivamente da Petrobras, o Governo também pretende estender concessões, leiloadas até 2010, que pertencem a outras petroleiras.
Em entrevista ao Valor há alguns dias, o Ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, disse que os contratos poderiam ser estendidos por até 27 anos, “dependendo do nível de produção de cada área e do montante de investimento com que a estatal se comprometerá”, segundo o jornal. (Parêntese importante: o Governo tem que decidir se quer ajudar a Petrobras a se desalavancar, ou se quer extrair dela cada último dólar de investimento que seu balanço periclitante suporta. Os dois objetivos são mutuamente exclusivos.)
A extensão das concessões é uma boa ideia, mas pelo motivo oposto ao anunciado pelo Ministro: ela valorizaria as áreas da Petrobras no pré-sal e tornaria mais interessante uma venda de alguns destes campos, levantando parte do caixa necessário para a estatal pagar suas dívidas, que chegam a 500 bilhões de reais. Como se sabe, o plano de desinvestimento da Petrobras prevê vender ativos totalizando 15 bilhões de dólares em 2015-2016 e mais 43 bilhões de dólares nos dois anos seguintes. Valores monstruosos assim passam inevitavelmente pelo pré-sal.
Outra medida em estudo excluiria do regime de partilha certas áreas adjacentes a províncias que já estão sendo exploradas, permitindo que a União leiloasse estas áreas sob o regime de concessão. Algumas fontes do setor acreditam que essa mudança na lei é fácil de fazer: bastaria que o Governo alterasse um anexo da Lei da Partilha que define o polígono do pré-sal, conhecido informalmente na indústria como “a picanha azul”. Como se trata de lei ordinária, seria possível alterá-la por medida provisória.
Segundo uma fonte familiarizada com as áreas, o Governo poderia arrecadar de 8 a 10 bilhões de dólares com o leilão destas áreas; as petroleiras informaram ao Governo que há interesse. Representadas pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), as petroleiras disseram ao Planalto que os leilões destravariam investimentos de 130 bilhões de dólares ao longo de 10 anos.
Apesar da necessidade de caixa tanto na Petrobras quanto no Tesouro, a Presidente Dilma tem se mostrado reticente — em público e privadamente — quanto a retomar os leilões num momento em que o petróleo sai a 30 dólares o barril. Há cerca de 15 dias, em café da manhã com repórteres, Dilma disse: “Ninguém faz leilão de bloco de exploração [com o barril] a US$ 30 […] Como faço, em 2016, com o petróleo a US$ 30, uma concessão de 30 anos? Não é o momento. Talvez poços menores. Estamos olhando isso em áreas menos rentáveis.”
Os planos em análise não são o alívio que o Senador José Serra tinha em mente para a Petrobras : um projeto de lei de Serra, em tramitação tartaruga no Senado, desobrigaria a estatal de ser sócia de todos os campos do pré-sal com pelo menos 30% de todo o investimento (como reza a lei atual) e a livraria também de ser a operadora única de todos os campos.
Se as medidas em estudo vingarem, os leilões darão algum alívio de caixa à Petrobras e ao Tesouro, mas seria a terceira vez que o Governo mexe na regulação do setor de energia para fazer avançar seus imperativos arrecadatórios.
Em 2013, o Governo recortou do pré-sal o campo de Libra — o maior do pré-sal — e fez às pressas um leilão que arrecadou 15 bilhões de reais e ajudou o então Ministro Guido Mantega a fechar as contas do ano.
No ano passado, Dilma mexeu na regulação do setor elétrico para viabilizar um leilão de 29 hidrelétricas que levantou 17 bilhões de reais. Aquela cambalhota regulatória reverteu, sem cerimônia, o modelo de modicidade tarifária que a Presidente havia implantado em setembro de 2012, e que levou à implosão dos balanços de geradoras e distribuidoras, instaurando um caos regulatório e uma judicialização sem precedentes no setor.
Isso sem falar na infame capitalização da Petrobras em 2010, que sodomizou o acionista minoritário mas ajudou o Governo a fazer o superávit primário daquele ano. Foi a “mãe de todas as ofertas de ações” para os bancos de investimento, e uma madrasta megera para os investidores.
Em tempo: na entrevista ao Valor, Braga falou duro com as petroleiras. “Não queremos poços parados,” disse, ameaçando retomar em 180 dias as áreas onde ainda não ocorreu investimento. Este ‘ultimato’ é mais uma demonstração — como se ainda fosse necessária alguma — de como o Governo Dilma vê o sistema de livre mercado: a crença de que é possível parir o progresso falando grosso e emparedando empresários, não importando o preço do barril, as margens de lucro, ou detalhes insignificantes assim.