O rio Taquari corta o coração do Pantanal como se desejasse provar verdadeiro o verso do poeta Manoel de Barros: “a natureza é uma força que inunda como os desertos.” 

Com 800 km de extensão, o Taquari já foi uma das maiores fontes de riqueza do Pantanal – era navegável e cheio de peixes – mas hoje tem 150 km praticamente secos.

O arrombamento das margens do rio ainda nos anos 80 – consequência do desmatamento do Cerrado e a expansão do cultivo da soja – provocou o alagamento permanente de uma área de 15 mil km2 – equivalente a 10% do Pantanal brasileiro. Centenas de fazendeiros, ribeirinhos e pescadores tiveram de deixar suas terras. 

A região chegou a ter um dos maiores rebanhos do país – e a produção era escoada em barcas pelo rio. 

Mas se antes havia um ciclo saudável de inundações – com o subir e baixar de águas que dá vida e garante a biodiversidade da maior área úmida continental do planeta – hoje nas margens do Taquari resta um pântano com paliteiros (como os locais chamam os troncos de árvores sem vida).

Nessas propriedades não se chega nem de barco nem de carro, mas o Fisco dá um jeito de fazer chegar a cobrança do ITR.

Às margens do Taquari, só seu Ruivaldo resiste. Nascido no Pantanal, Ruivaldo Nery de Andrade já perdeu muito boi para as enchentes e hoje mantém um pedacinho de terra firme graças a sua persistência e um sistema holandês de barragens feito com sacos de areia.

Essa história de resistência do Taquari é contada com muita sensibilidade e uma bela fotografia em “Ruivaldo: o homem que salvou a terra”, documentário de Jorge Bodanzky co-dirigido por João Farkas. O filme de 46 minutos já foi exibido em Corumbá e em Bruxelas, e teve sua primeira exibição em São Paulo na semana passada.

Patrocinado pela Klabin, Rodobens e Grupo Ultra, o filme é uma iniciativa do Documenta Pantanal, movimento que reúne de proprietários de terra e donos de pousadas a ambientalistas, acadêmicos e artistas. Em comum, o interesse pela preservação do Pantanal – e o desejo de ver o bioma alcançar o status de uma Amazônia, capaz de mobilizar mundos e fundos aqui e lá fora. (Leo DiCaprio, are you there?)

“As pessoas precisam conhecer a beleza da região para preservar e encontrar soluções de desenvolvimento sustentável”, diz Teresa Bracher, uma das fundadoras do Documenta Pantanal. “É incrível que a história do Taquari ainda seja desconhecida da maioria dos brasileiros.” 

O Documenta atua na produção e divulgação de trabalhos – artísticos ou científicos – sobre o Pantanal. 

Em fevereiro, está previsto o lançamento de um livro com 80 imagens do fotógrafo João Farkas, fruto de um trabalho de cinco anos na região. “É um manifesto sobre a importância e a beleza do Pantanal e também um alerta de suas fragilidades”, diz João.

Na SP Arte, em abril, o Documenta terá um estande onde serão expostas e vendidas fotos de Farkas, Araquém Alcântara, Luciano Candisani, entre outros.
 
Na pauta do movimento está ainda a aprovação da Lei do Pantanal, projeto de autoria do deputado Alessandro Molon que tramita no Congresso desde o ano passado. O Instituto SOS Pantanal, que integra o Documenta, vem buscando articular consenso entre os interesses do agronegócio e de ambientalistas.

O Pantanal convive com seu maior e mais dramático desastre ambiental há quatro décadas. O desmatamento indiscriminado de matas ciliares e da vegetação nas nascentes localizadas na região do Cerrado, aliado a uma predisposição natural da bacia do Taquari a perdas de solo, fez com que um processo que levaria centenas de anos acontecesse em poucas décadas.

Mas o Taquari está longe de ser o único problema do Pantanal, que ainda tem 83% de sua cobertura vegetal preservada. Outras bacias hidrográficas, como a do Miranda, onde fica Bonito, o principal destino turístico da região, sofrem com a perda do volume de águas. 

“Antes, o problema era excesso de água. Agora é falta d’água”, diz Felipe Dias, diretor do Instituto SOS Pantanal. Ano passado, diz ele, o turismo de Bonito teve prejuízo por conta do turvamento das águas.

A maior ameaça vem da produção agropecuária no Cerrado, que fica no planalto onde nascem os rios que cortam a planície pantaneira. É aqui que mora o dissenso na articulação da lei do Pantanal. A lei é para proteger o bioma da fronteira pra dentro, mas os ambientalistas defendem que a gestão tem que envolver as bacias hidrográficas no Cerrado. 

 
Ruivaldo em sua fazenda no Pantanal
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Fotos de João Farkas / Documenta Pantanal