Pela primeira vez ‘na história deste país’, o Brasil ganhou o campeonato sul-americano de rugby.
O simbolismo da vitória: a taça era da Argentina desde que o campeonato começou, em 1951. (Os hermanos só não venceram quando não jogaram, esnobando o campeonato.) Mas desta vez, o Brasil venceu a Argentina de virada, e em Buenos Aires – “un papelón”, escreveu a imprensa local.
Com um treinamento profissional e de alta performance, o rugby brasileiro é hoje um dos esportes mais bem geridos do Brasil, e a boa gestão está permitindo sonhar com o impossível (como vencer a Argentina).
O próximo passo: a equipe brasileira se prepara para participar de seu primeiro mundial, em 2023 na França, com a seleção masculina de XV (o “rugby de 15” é a modalidade de 15 jogadores, a mais importante do esporte. Na Olimpíada, as equipes só têm sete jogadores). No feminino, a meta é participar das Olimpíadas de Tóquio em 2020 e ficar no top 8.
Apesar dos avanços, ainda falta chão: o Brasil saiu da quarta divisão mundial e hoje está quase chegando à segunda.
A história de como o rugby brasileiro evoluiu começa há 9 anos, quando a seleção estava como o próprio Brasil se encontra hoje: prestes a jogar a toalha. Sem público nem apoio, os Tupis (nome oficial do time) sobreviviam de rifas e contribuições dos próprios jogadores. Depois de ouvir pela TV o depoimento desalentador de um atleta após uma derrota, Eduardo Mufarej, chairman da Somos Educação, resolveu dar uma força.
Fã do esporte – apesar de mau jogador na escola e na faculdade – Mufarej começou com a parte fácil: doando dinheiro: R$ 1 mil. Juntou outros amantes do esporte entre seus amigos e levantou mais R$ 50 mil.
Encontrou um parceiro em Jean-Marc Etlin, o sócio da CVC Capital Partners que chegou a jogar na seleção brasileira em 1981, e no advogado Sami Arap Sobrinho, também ex-jogador. Logo perceberam que dinheiro só não ia resolver. Era preciso intervir na gestão.
“Assumimos a responsabilidade com a intenção de melhorar não só o rugby, mas deixar um legado para outros esportes, espalhando as melhores práticas para outras confederações”, diz Mufarej.
Com a estreia do rugby nas Olimpíadas do Rio, foi criada a Confederação Brasileira do Rugby. Arap assumiu a presidência no início, mas foi sucedido por um gestor profissional, o argentino Agustín Danza, ex-jogador da primeira divisão da Argentina e ex-consultor da Bain.
No back office, a cartilha da boa governança é seguida à risca, com conselho, metas de longo prazo e transparência na prestação de contas. A Deloitte foi chamada para ajudar na implementação da governança com base nas melhores práticas internacionais de gestão de confederações esportivas. (As melhores, não as da FIFA.)
Como conselheiros fundadores, Etlin, Mufarej e Arap também já estão programando a própria sucessão a partir de 2021, quando termina o prazo de dois mandatos de quatro anos.
Em campo, a solução também veio da Argentina, com o técnico Rodolfo Ambrósio, que treinava a seleção sub-20 de lá. Com Ambrósio, foi implementado um sistema de alto rendimento, com jogadores profissionais que ganham salário (R$ 2 mil) e treinam diariamente.
Hoje a CBRu trabalha com orçamento de R$ 14 milhões. Para efeito de comparação, a vela, esporte em que o Brasil tem bom desempenho e tradição, tem pouco mais de R$ 6 milhões. (Já o vôlei é outro patamar: R$ 100 milhões.) Desde o ano passado, após uma criteriosa auditoria, a CBRu recebe aporte de £ 700 mil libras por ano da World Rugby, a confederação mundial, que reconheceu o país como estratégico para o desenvolvimento do esporte. Tem ainda patrocínio de Topper, Bradesco, Cultura Inglesa, Heineken e Rumo.
O rugby nasceu na Inglaterra e é muito praticado nas ex-colônias. É conhecido como “um esporte de hooligans jogado por gentlemen”.
Jogo bruto, demanda respeito pelo adversário, disciplina e espírito de equipe. O juíz é tratado por ‘senhor’, e os jogadores são responsáveis por arrumar o vestiário. Após a partida, as equipes jantam juntas e trocam presentes.
Na resto da América do Sul, ainda é um esporte de elite. Mas por aqui, devido à presença de projetos sociais como o Rugby para Todos, que atua em Paraisópolis e no Rio, e o Vivendo do Rugby, que atende crianças e adolescentes das escolas públicas de Curitiba, virou esporte popular e oportunidade de ascensão social. Tem crescido muito também no interior, em cidades como São José dos Campos e Jacareí.
Ampliar a base ainda é um desafio. Atualmente cerca de 60 mil jovens (acima de 15 anos) praticam o esporte no Brasil. Nos últimos cinco anos, o número de atletas federados saltou de 10 mil para 18 mil. Alguns dos melhores talentos são escolhidos para treinar por seis meses na Nova Zelândia, com patrocínio pessoal de Etlin e apoio de Mufarej.
Agustín, o argentino que é CEO da CBRu, tem fé no Brasil. “É um desafio interessante e estou convicto que o Brasil tem todas as condições favoráveis para dar certo. Tem uma população enorme, com uma diversidade e riqueza de biotipos. É uma enorme vantagem competitiva. Ainda falta muito, mas hoje temos uma seleção que ganhou da Argentina na Argentina. É um grande feito!”
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