A chegada do CEO Paulo Caffarelli marcou o fim da era “Cielo Paz e Amor”. Logo que assumiu a credenciadora, o ex-presidente do Banco do Brasil partiu para o ataque: na primeira reunião com funcionários, disse em alto e bom som que “iria atrás da PagSeguro”.
Agora, o mercado está começando a calcular os custos da guerra.
O BTG conversou com a empresa e, num email aos clientes, alertou que a estratégia mais agressiva – ainda que bem vinda no longo prazo – pode implicar uma queda de 30% no lucro de 2019 (medido pelo consenso de mercado).
A revisão disparou uma onda de venda nas ações no setor. A Cielo abriu em queda de 8% e por volta das 15h30 caía 6%. PagSeguro e Stone também sofreram, com recuo de mais de 7% cada.
“A agressividade [da Cielo] vai derrubar o profit pool da indústria”, diz um analista, que aponta que a queda da própria Cielo só não é maior pela falta de papéis para alugar, o que impossibilita que investidores montem apostas contra). “Em PAGS e Stone, o que não falta é aluguel”.
No campo regulatório, as notícias reforçam o price action. Ontem, o Banco Central disse que pretende implantar um novo ecossistema de “pagamentos instantâneos” até 2021. Essa estrutura, em que os pagamentos são feitos por meio de QR Code e tem liquidação imediata, dispensa a maquininha e promete ser uma alternativa mais barata para os comerciantes, principalmente os micro e pequenos empreendedores.
A Cielo não dá guidance formal, mas em conversas com analistas, a equipe de RI vem reforçando o discurso do CFO Clovis Poggetti – que atuou como CEO interino – na última teleconferência de resultados.
No call, há 10 dias, ele disse que “as margens vão cair o quanto for necessário para que a Cielo possa manter a liderança” e que pode haver “uma guerra de preço no curto prazo para trazer valor de longo prazo para os acionistas”.
Segundo o BTG, a Cielo já está reduzindo os preços em 20% a 30% e os yields – o volume de transações convertidas em receita – deve passar de 1% para 0,8%.
“Não vemos uma reprecificação da base inteira proativamente e de uma vez só, mas a queda no yield deve ser grande e rápida, já que o churn [desligamento de clientes] está alto e o mercado muito dinâmico”, escreveram os analistas Eduardo Rosman e Thiago Kapulskis.
A Cielo também deve ser mais agressiva nas taxas de pré-pagamento, reduzindo as taxas cobradas de 20% para o patamar entre 10% e 15% para conquistar mais clientes, aponta o banco.
Outra fonte de pressão de custos deve vir das despesas com marketing, que já subiram este ano. Além disso, a Cielo está contratando mais pessoal de vendas para se posicionar melhor no middle market – um mercado em que a Stone tem se destacado.
O BTG aponta que a mudança já deve começar a ser sentida no quarto trimestre, com previsão de lucro de R$ 750 milhões, com queda de 8% em relação ao terceiro trimestre e 30% abaixo do consenso. “Se a estratégia se pagar, esperamos que o mercado comece a olhar a estratégia da Cielo de maneira mais construtiva em meados de 2019”, destacaram os analistas do banco na nota.
Os investidores vinham cobrando uma agressividade maior da Cielo para conter a perda de market share para players menores como Stone e PagSeguro. Mas a nova estratégia tende a abrir espaço para uma rotação da base acionária.
Enquanto as novas entrantes abriram capital nos Estados Unidos, com investidores de tech dispostos a pagar pelo crescimento, a base da Cielo, ainda que majoritariamente formada por estrangeiros, é diferente. “O gringo da Cielo é um gringo que gosta de dividend yield, de lucro alto, empresa madura”, aponta um analista do setor.
Um ditado romano diz que uma paz desfavorável é pior que a guerra. A Cielo vai colocar a máxima à prova.