Durante a maior parte do século 20, as eleições mexicanas foram realizadas por autoridades subordinadas ao presidente.

O presidente dizia qual resultado desejava, e as autoridades o providenciavam.

Esse sistema de controle presidencial das eleições mexicanas chegou ao fim na década de 1990. Uma agência independente foi criada para conduzir as eleições.

Nos anos 2000, as eleições mexicanas passaram a ser tão justas e honestas quanto qualquer outra no mundo. Isso foi uma conquista do órgão conhecido desde 2014 como Instituto Nacional Electoral – INE.

Mas o atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, odeia o INE – em parte por causa de ressentimentos pessoais mesquinhos, mas principalmente porque deseja voltar aos maus velhos tempos das eleições presidenciais.

López Obrador já havia buscado diferentes esquemas para perverter eleições honestas. A lei que ele conseguiu aprovar no Senado ontem efetivamente destrói a presença local do INE nos cerca de 900 locais de votação no México.

AMLO e seus partidários afirmam que a autoridade eleitoral é “muito cara”. Esta afirmação é enganosa, intencionalmente enganosa.

O efeito dessa lei (é grotesco chamá-la de “reforma”) será colocar de volta no comando as autoridades locais subordinadas ao presidente, como nos velhos tempos do Estado mexicano de partido único.

AMLO provavelmente não ousará tentar a reeleição em 2024; esse tabu provavelmente é forte demais até para ele desafiar. Mas vai querer eleger um sucessor complacente – e agora tem os meios para garantir um: o controle presidencial da máquina eleitoral.

Então, uma vez que instalar um sucessor, terá duas armas de controle sobre essa pessoa.

Primeiro, ele conseguiu alterar a Constituição mexicana para permitir um recall se um pequeno número de cidadãos assinar uma petição. Essa é uma ameaça que um ex-presidente popular poderá usar contra um novo presidente.

Em segundo lugar, ele redirecionou grande parte da economia mexicana para as mãos dos militares, incluindo aquele vórtice de corrupção, os serviços alfandegários. Há muitos generais e almirantes que devem suas fortunas a AMLO – e sobre os quais ele guarda segredos sujos.

Quase todos os presidentes mexicanos desde Plutarco Calles, na década de 1920, aspiraram a estender seu poder além de seu mandato legal. AMLO encontrou um método para fazê-lo.

Dada a fragilidade das outras instituições mexicanas, o controle contínuo da Presidência significa controle contínuo do Estado.

Aqui vai um alerta para todos os norte-americanos: o Estado mexicano está se desintegrando. A tentativa de AMLO de se estender no poder desacreditará seu sucessor designado. O poder do Estado enfraquecerá ainda mais.

O pesadelo a temer no México é uma autocracia no centro do país, cercada por anarquia e violência no interior, onde sindicatos criminosos substituíram o estado como o verdadeiro governo: coletando dinheiro para proteção em vez de impostos, fornecendo segurança criminosa em vez de lei.

Esse não é apenas um problema mexicano! É a rota para um estado falido que se situa a alguns minutos de carro da Califórnia, do Texas e do Arizona.

Tenho dois pedidos para as autoridades americanas que estejam lendo este texto. Primeiro, prestem atenção. Os EUA nem sempre foram um bom vizinho do México, e as intenções americanas costumam ser alvo de desconfiança – por um bom motivo. Mas o cuidado e a atenção dos EUA são importantes, e muito.

Em segundo lugar, por favor, eliminem o hábito de se referir a alguns autoritários como “de esquerda” e alguns como “de direita”. Os argumentos de um governante autoritário podem ter um tempero ideológico, mas a mecânica do governo autoritário não.

Não deixe a simpatia (se houver) pela retórica de AMLO distraí-lo das realidades do poder de AMLO e de seus objetivos. AMLO = Orbán, Orbán = AMLO. Os alvos de sua demagogia podem diferir; o projeto deles é o mesmo.

Sob Trump e agora sob Biden, os EUA adotaram uma abordagem altamente comercial com López Obrador. Os EUA listaram pedidos; AMLO sempre os entregou. Em troca, os EUA desviaram o olhar enquanto ele subvertia a democracia e corrompia o Estado.

A abordagem comercial está falhando perigosamente. O interesse supremo dos EUA é um México estável, pacífico e próspero. Todo o resto é secundário – embora importante, não um substituto para o objetivo supremo do sucesso do Estado e da sociedade.

Seria imprudente exagerar o que os EUA podem fazer de imediato. A aberta hostilidade americana ao seu governo fornecerá um recurso para um AMLO astuto e ainda popular explorar para seus próprios fins sinistros.

Mas os EUA também não podem ficar indiferentes. As duas sociedades se interpenetram de muitas maneiras, mais agora do que nunca. Os problemas do México são os problemas da América, inescapável e intimamente. Ambas as democracias estão sendo testadas, severamente. Precisam se apoiar reciprocamente.

O cenário é aterrador. O que é necessário agora é dar atenção e apoio aos aguerridos liberais e democratas do México. Eles vão protestar e resistir.

Dêem ouvidos – e ajuda – a eles!

David Frum escreve na The Atlantic. Este texto foi adaptado, com sua autorização, de seu feed no Twitter (@davidfrum). Ele é o autor de “TRUMPOCALYPSE: Restoring American Democracy.”