Uma guerra econômica travada principalmente nos bastidores terá hoje uma batalha importante.

Esta sexta-feira é o prazo final estabelecido pelo Banco Central para que as bandeiras de cartão controladas pelos bancos — como a Elo, American Express e Hipercard — iniciem testes para que possam começar a ser processadas por todas as credenciadoras, e não apenas pela Rede e Cielo, que também pertencem aos bancos. 

O princípio geral estabelecido pelo BC é que as bandeiras devem atuar de forma neutra, não podendo oferecer nenhuma vantagem à credenciadora do mesmo grupo em detrimento de seus concorrentes.

A universalização do acesso — que as bandeiras têm procrastinado há anos — pode destravar centenas de milhões de reais de faturamento para credenciadoras menores como PagSeguro, Stone Pagamentos, Global Payments e Vero, do Banrisul, que juntas respondem por cerca de 10% do mercado. E adiantaria a vida do pequeno lojista, que hoje frequentemente tem que usar duas maquininhas para capturar todas as bandeiras.

A indústria de cartões no Brasil é organizada em ‘clusters‘ econômicos ao redor dos bancos. O Bradesco é um dos controladores da Cielo, e apenas a máquina da Cielo aceita a bandeira Elo, que pertence ao banco.  O Itaú é dono da Rede, a antiga Redecard, e só ela processa a bandeira Hipercard, que pertence ao banco.

Hoje, através de um arranjo comercial conhecido como VAN, a Rede já aceita cartões Elo em algumas de suas maquininhas, e, da mesma forma, a Cielo já aceita o Hipercard, do Itaú. O VAN se assemelha a um direito de passagem que uma credenciadora dá à bandeira controlada pelo grupo econômico do concorrente, mas não chega a ser o modelo de competição aberta que o BC tem em mente.

A exclusividade que existe hoje impede que as credenciadoras independentes compitam em pé de igualdade com as grandes.  Segundo o Senador Ricardo Ferraço, que planeja conduzir uma audiência pública sobre a concentração no mercado de cartões, Cielo e Rede processaram 87% das transações no Brasil em 2014, contra 89% em 2009.

Para fontes das credenciadoras menores, as bandeiras controladas pelos bancos tem adotado chicanas tecnológicas para evitar abrir suas plataformas, tomando medidas que, na superfície, dão a impressão de compliance, quando na prática continuam a manter os independentes de fora.  “O BC teve que escrever um manual detalhando passo a passo o que elas tinham que fazer,” diz um executivo de uma credenciadora independente. 

A Elo argumenta ao BC que está se adequando à regra, propondo às credenciadoras um modelo pelo qual uma empresa como a Vero credenciaria o lojista, mas a transação dos cartões Elo seria processada e liquidada pela Cielo, que hoje detém exclusividade com a bandeira. A Elo chama este modelo de ‘full acquirer’, mas, na opinião do BC, este arranjo ainda está longe de atender suas exigências.

Alguns modelos propostos por bandeiras controladas por bancos impedem que as credenciadoras independentes negociem a taxa diretamente com o lojista, o que as coloca em desvantagem comercial com Cielo e Rede.  Outro problema: quando a transação é capturada por uma credenciadora independente mas processada por uma das duas grandes, o lojista não consegue visualizar os créditos que tem a receber no sistema da credenciadora independente, o que reduz o apelo comercial e a competitividade desta última.

Uma terceira queixa das pequenas que o BC está monitorando envolve barreiras a empréstimos lastreados em recebíveis de cartões. Quando um banco oferece um crédito ao lojista lastreado em recebíveis de cartão, é frequente o banco não aceitar como colateral os recebíveis processados pelas credenciadoras independentes.

A Stone Pagamentos, que segundo fontes do setor dobrou sua participação de mercado no último ano, é uma das que mais reclama ao BC sobre a resistência das grandes em aderir à universalização. 

As credenciadoras de cartões processam R$1,2 trilhão em transações por ano — metade em crédito, metade em débito. Só a Elo, criada pelo Bradesco e Banco do Brasil em 2012, já emitiu mais de 103 milhões de cartões e responde por quase 20% de todas as transações de débito no Brasil, gerando um ‘merchant discount rate’ (a taxa paga pelos lojistas) de cerca de R$1,8 bilhão/ano só no débito.

Tecnicamente, a exclusividade das bandeiras é proibida desde 2009, quando a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça moveu um processo administrativo contra as credenciadoras que detinham acordos de exclusividade com as bandeiras internacionais.