O chef está de volta.
Anos depois de surpreender o mundo dos restaurantes ao anunciar o fechamento de seu estrelado Olympe, Claude Troisgros está retornando ao métier que o transformou numa personalidade nacional: a alta gastronomia.
Não que o chef tenha ficado afastado das cozinhas. Ao longo desses anos, Troisgros construiu uma rede de restaurantes de pegada mais informal no Rio e em São Paulo, com destaque para o Chez Claude em ambas cidades.
Mas nenhuma de suas casas se comparava ao Olympe, que reinou durante décadas como um dos principais destinos da haute cuisine no Brasil.
Agora, com a chef Jessica Trindade no Madame Olympe, Troisgros retorna com o menu degustação – opção de oito (R$ 480) ou quatro etapas (R$ 380), e mais R$ 380 pela harmonização – e confirma sua reputação como um dos chefs mais criativos da atualidade, combinando ingredientes inusitados, misturando técnicas francesas e produtos típicos brasileiros.
A marca da criatividade surge logo nas primeiras etapas do menu, que começa com o contraste de amargo e doce de um roll de babaganuche de jiló e caju confit.
Na sequência, Troisgros brinca com uma ilusão de ótica. No prato de Otoro com Wasabi, o chef coloca, ao lado da posta de barriga de atum, um pedaço de melancia com um visual muito parecido ao peixe. A dica é combinar um pedaço de cada um e misturar o doce e a salinidade dos dois ingredientes.
O menu ganha consistência com duas pérolas: um pudim de ovo, com ouriço e cogumelos, bem oriental e cheio de umami, e uma cavaquinha com batatas e um caldo de gengibre e capim-limão.
Mas o ponto alto da noite foram os dois pratos principais. Estão, sem dúvida, entre as melhores coisas que comi nos últimos tempos e mostram um chef maduro, com domínio absoluto de ingredientes, contrastes e sabores.
O prato de peixe é um vermelho, cujo sabor é elevado pela acidez de um criativo molho franco-nipônico, chamado pelo chef de “beurre de shoyu”. É desses de dar pena de não se poder levar mais para casa. Como acompanhamento, cebola, acelga e crisps de couve.
Já o de carne é um magret de pato, com palmito, salicorne e um purê de couve-flor. Antes de ser cortado, o prato é apresentado à mesa; quando o garçom levanta o cloche para que todos o vejam, o ambiente é dominado por um delicioso perfume de alecrim na brasa. Em seguida, o peito do pato é servido rosado no ponto perfeito, num molho denso feito – acreditem – à base de vinho tinto, tucupi e mocotó.
A sobremesa tem o mérito, para mim, de não ser demasiado doce, e ainda traz uma referência à história gastronômica da família Troisgros. Chama-se Nid d’Abeille e consiste num biscoito de missô e mel de Mandaçaia acompanhado de sorvete de azedinha, uma folha verde que compõe o prato clássico da cozinha do pai e do tio de Claude, os chefs Pierre e Jean Troisgros.
Os dois foram pioneiros da Nouvelle Cuisine e comandaram por décadas o restaurante três estrelas Michelin da família em Roanne, na França. O tal prato chama-se Saumon à l’Oseille, e consiste numa posta de salmão apenas selada e acompanhada de um etéreo molho de azedinha e vinho branco.
No quesito vinhos, sempre acho que o modelo de menu degustação acaba gerando um grande desafio. Como harmonizar uma única garrafa com tantos pratos diferentes, que incluem frutos do mar, vegetais e carnes vermelhas?
A solução mais lógica seria pedir a harmonização oferecida com frequência pelos restaurantes. O problema é que sempre saio meio frustrado com as escolhas oferecidas, o que já aconteceu mesmo em grandes casas estreladas na França. E, nesse quesito, o Madame Olympe não foi exceção.
Apesar disto, o novo restaurante é a prova de que, mesmo depois de tantos anos, os mestres não costumam perder o jeito.
Flávio Ribeiro de Castro ama comer e beber bem.