As entrevistas do Jornal Nacional com os presidenciáveis deixam claro que o jornalismo da TV Globo está confuso a respeito de sua missão — e no meio da eleição mais importante desde que o Brasil restaurou o voto direto. Às vezes parece que o jornalismo quer desconstruir a política (dando um tiro na própria cara) em vez de iluminá-la.
Pela sua história, o Jornal Nacional é uma instituição brasileira; pelo seu alcance, uma bazuca de convencimento.
Mas nas sabatinas aos presidenciáveis, o JN tem se mostrado mais interessado na própria imagem, e em provar que faz um jornalismo ‘implacável’, do que em conseguir respostas reais para temas importantes.
Ao tentar mostrar as contradições de cada candidato por meio de ‘pegadinhas’, os entrevistadores partem da premissa errada. Todos temos contradições, nenhum de nós é perfeito. Mas o que cada um dos candidatos propõe para o Brasil? Isso, ao final, o telespectador geralmente fica sem saber.
De Bolsonaro a Marina, os entrevistadores fizeram perguntas que choveram no molhado. Algumas chegam a ser tão longas quanto as próprias respostas, e, quando o candidato consegue sair da pegadinha, os entrevistadores insistem (afinal, é isso que os jornalistas tenazes fazem, não é?).
Quando perguntaram a Geraldo Alckmin sobre o apoio de Fernando Collor em Alagoas, os entrevistadores erraram. Collor apoia Alvaro Dias, enquanto o PSDB em Alagoas está coligado com Collor. Voilá: o Jornal Nacional fez de Alagoas um assunto importante na corrida eleitoral.
No esforço sobre-humano de provar seu talento, os entrevistadores não fazem uma sabatina, mas um inquérito — e acabam aparecendo mais que o entrevistado, violando a boa técnica jornalística.
“Isso não é produtivo. Você nivela todo mundo por baixo e aí? Vamos fazer o quê?” diz um executivo do mercado financeiro.
A incapacidade da Globo de buscar as respostas que os eleitores precisam é ainda mais bizarra porque vem da emissora conhecida, justamente, por entender (e moldar) o gosto popular.
Ontem à noite, Bonner decidiu que o fato da Rede estar coligada com o MDB, o PT e o PSDB em diversos estados mostra que a Rede não é assim tão diferente dos outros. Trata-se de um argumento niilista e perigoso, que zomba da necessidade de construção de maiorias que é central à própria ideia da política.
Mas Bonner não estava de zoeira: ele tinha uma lista das coligações para provar seu ponto. “Da forma como você coloca, passa essa impressão ao telespectador,” respondeu Marina. Minutos depois, Bonner insistiu, com um “a Rede está mergulhada nisso” (leia-se: metida com gente de caráter duvidoso).
Podem-se fazer muitas críticas a Marina Silva, mas chega a ser má fé tentar criar uma equivalência moral entre ela e a maior parte dos políticos brasileiros.
Assim como as entrevistas anteriores, a de ontem foi marcada por muita pompa e pouco conteúdo.
Outros temas considerados importantes pelo Jornal Nacional: o apoio de Marina a Aécio no segundo turno de 2014 (“tinha o aeroporto de Claudio, candidata!”); a escolha de um membro do PV para vice — oferecida como prova cabal da “falta de coerência” de Marina, que saíra do PV para fundar a Rede; e a suposta impossibilidade de Marina conseguir qualquer apoio na bancada ruralista.
Os entrevistadores também quiseram saber como é que Marina “não desconfiou” que Eduardo Campos [de quem foi vice] recebia propina. “A senhora nesse período desenvolveu mecanismos mais eficientes de avaliação [sic] das pessoas com quem pretende se aliar?” perguntaram.
Uma resposta maldosa seria: “Se a Globo tivesse investido mais no jornalismo investigativo, talvez eu tivesse ficado sabendo antes da Lava Jato!”, mas Marina foi diplomática: preferiu um “com certeza”, e aproveitou para lembrar que o morto não tem como se defender.
No Twitter, Pedro Menezes, fundador do think tank Mercado Popular, definiu o problema: “Se os jornalistas insistem no confronto verborrágico, ganha quem compra briga e constrange o jornalista de volta. Esse modelo do JN incentiva a lacração no lugar da reflexão. Não por acaso, os candidatos com mais talento pra barraco e baixaria se saíram melhor.”