O Censo no Brasil tem um dos questionários mais longos do mundo, mas isso está prestes a mudar. 

Primeiro, porque o Ministério da Economia está apertando o cinto, exigindo um investimento menor para o Censo 2020; segundo, porque na era do Instagram e do ‘attention span’ de 30 segundos, pouca gente está disposta a responder a um questionário de mais de 100 perguntas; finalmente, a violência e a polarização do País fazem com que as pessoas sejam mais refratárias a abrir a porta de casa ao recenseador.

10674 1c16e54d 3120 6d8d dd9a 8de869125a6bMas nas últimas semanas, a necessidade de adaptar o Censo a este cenário transformou-se numa polêmica entre estatísticos e formuladores de políticas públicas.

Nesta entrevista ao Brazil Journal, a nova presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra fala sobre o trabalho à frente e a capacidade do IBGE de estar à altura do desafio.  

Susana fez sua carreira em políticas públicas.

Depois de fazer graduação e mestrado em Harvard e obter um PhD em Ciências Políticas pelo MIT, Susana foi parar no Banco Mundial em Washington, onde trabalhava em assuntos relacionados à reforma do estado, descentralização, e fortalecimento da capacidade organizacional do estado. 

Avaliou e implementou políticas públicas e programas sociais na América Latina, Ásia e África, frequentemente trabalhando em conjunto com lugares como o MIT, a Fundação Getúlio Vargas, a PUC-Rio e o IPEA. 
 
Convidada por Paulo Guedes para assumir o IBGE, trocou a vida em Washington pelo Rio, cidade onde foi criada.
 
A adaptação ao serviço público brasileiro — num contexto de contingenciamento — tem sido uma experiência única. 

“As pessoas olham para mim e falam: ‘é matar um leão por dia’ e eu respondo, ‘se fosse um só seria fácil,’” diz a economista.
 
A seguir, trechos da entrevista:

Estamos numa era eminentemente tecnológica, e o mundo está afogando em dados. Como é que uma instituição como o IBGE se mantém relevante e atual?
 
O IBGE é um patrimônio da sociedade brasileira. É uma instituição de excelência nacional, reconhecida internacionalmente, que sempre respondeu bem a desafios. É uma Casa que mantém sua tradição, mas sempre abraça o desafio da sua época, e os desafios agora são imensos. Dentro de suas limitações orçamentárias, o IBGE sempre conseguiu potencializar o trabalho que é feito aqui com novas ferramentas e tecnologias. Estamos nos aperfeiçoando continuamente.
 
Qual a importância do Censo para o Brasil e os desafios que ele vai enfrentar em 2020?
 
Esse vai ser o maior Censo da história do Brasil e um dos maiores do mundo. E vai ser o mais difícil. Os resultados das provas piloto já mostram a dimensão do desafio. Com o aumento da insegurança e o agravamento do quadro econômico, por exemplo, é muito mais difícil hoje o cidadão abrir a porta para uma pesquisa do que foi em 2010. O desafio da operação de campo vai ser a grande batalha, então a gente precisa ter uma operação mais simples e mais ágil.
 
Além de tudo, tem a restrição orçamentária. O nosso orçamento final vai ser definido na LDO, que ainda está em discussão. Vamos nos adequar, e já nos antecipando a isso, apresentamos vários cenários ao Tesouro Nacional que estão agora sob análise. A questão central é: qual o melhor Censo que podemos realizar dadas as restrições orçamentárias?
 
O Censo é nossa única pesquisa domiciliar que vai ao nível do município — que é onde os serviços públicos são entregues. O Censo não é só contar pessoas. Ele alimenta as fórmulas de ‘n’ políticas públicas, incluindo os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (o FPE e o FPM). É o alicerce do planejamento das várias esferas do governo.
 
Tem muita gente com medo do Censo ser reduzido por causa da escassez de recursos, achando que isso vai interromper séries históricas ou de alguma forma subverter uma pesquisa que tem muita tradição.
 
Tivemos problemas de comunicação. Essas falhas levaram as pessoas a terem essa interpretação de que iríamos responder à possível redução de 25% no orçamento só com cortes no questionário. Não é isso. Essa redução do orçamento é fruto de uma sequência de ajustes na operação. Todos eles estão em discussão com o corpo técnico do IBGE.

Como você define ’sucesso’ neste Censo 2020?
 
Nosso objetivo é garantir um Censo de qualidade, entregue a tempo e dentro do orçamento. Precisamos simplificar e agilizar a operação de campo. Com um questionário mais curto, o recenseador consegue ir a mais domicílios no mesmo período de tempo e obter respostas com mais qualidade. As pessoas hoje ainda estão dispostas a responder a um conjunto de perguntas, mas como você se sentiria se tivesse que responder mais de 100? 

Como o Censo brasileiro se compara ao de outros países?
 
Por definição, o Censo brasileiro tem que ser mais extenso, mais detalhado do que nos EUA, por exemplo. Os EUA podem fazer um Censo mais curto porque eles tem registros administrativos muito bons. No Brasil, os nossos registros administrativos não são integrados, e são de acesso limitado.
 
Em suma: não conseguimos ainda fazer um Censo muito curto, mas, também, não é viável no contexto do Brasil atual ter um dos maiores Censos do mundo. Isso pode comprometer a operação como um todo. Uma operação mais simples e ágil vai ajudar na cobertura e qualidade das repostas.
  
Mas como reduzir o número de perguntas garantindo que não haja perda de conhecimento?
 
Nossa estratégia é otimizar o papel do Censo e o de outras pesquisas amostrais que o IBGE já faz. Para cada pergunta que sair do Censo, haverá uma estratégia para que a pergunta seja endereçada através de outros meios. Por exemplo, algumas questões não contempladas no questionário podem migrar para a PNAD Contínua e outras pesquisasjá existentes. Também estamos estudando o modelo dos EUA e possíveis variações de sua aplicação aqui no Brasil.
 
Não vai haver uma reviravolta, nem vamos refazer o questionário inteiro. São ajustesmas preservando as séries históricas. Há uma metodologia e critérios definidos pela ONU para que os Censos de cada país sejam comparáveis entre si e ao longo do tempo. Não dá para inventar muito.
 
O Brasil não tem os registros administrativos avançados como os da Alemanha mas nossas bases de dados vem melhorando ano a ano. E a tendência é essa: cada vez mais usar registros administrativos e novas tecnologias e ferramentas na coleta de dados. Mais registros administrativos e mais potência nas pesquisas do IBGE garantirão que não haverá perda de conhecimento ao longo do tempo. 
 
O sindicato diz que você “passou por cima” das audiências públicas que foram feitas, que estaria havendo um “rompimento”, um “desrespeito ao corpo técnico”, e te criticam por haver trazido o Ricardo de Paes e Barros para ajudar no processo.

O corpo técnico do IBGE é de excelência e tem a confiança da sociedade. O que queremos já é tradição no IBGE: aperfeiçoar o produto. Sociedade, IBGE e Governo, todos temos que estar em sintonia, porque temos o mesmo objetivo.

É é o corpo técnico da Casa que está à frente desse processo. Não há qualquer intenção de expor técnicos ou qualquer coisa do gênero. Queremos só aperfeiçoar o produto em conjunto com pessoas que de fato participaram desses processos e sempre colaboraram com os trabalhos da casa.
 
O Ricardo de Paes e Barros é talvez o maior especialista em políticas públicas do Brasil e um homem com preocupação social e uma sensibilidade exemplares. Ele está trabalhando, assim como outros, em conjunto com a equipe técnica do IBGE. E não está ganhando nada por isso.  É um trabalho pró-bono dentro de um espírito público que deveria ser aplaudido.