Enquanto seu irmão Isay se tornou artista e arquiteto, Ari Weinfeld seguiu os passos do pai, um imigrante judeu polonês com negócios de confecção no Bom Retiro.
Estudou administração e fez sua vida na indústria têxtil: por duas décadas foi dono da Matec, uma fábrica de tecidos. Em 2010, quando a economia vivia tempos gloriosos, Ari vendeu bem a fábrica e resolveu sua vida.
Aos 51 anos, não sabia exatamente o que fazer depois. O insight veio quando ganhou de uma amiga o livro Financing Future: Innovative funding models at work, da antropóloga alemã Maritta Koch-Weser, que por muitos anos foi responsável por projetos de sustentabilidade no Banco Mundial.
“Me encantei com a ideia da democratização de doações”, diz Ari, que foi até a Alemanha encontrar Maritta para entender mais sobre um pioneiro projeto de financiamento de instituições sociais por meio do arredondamento de centavos.
Foi assim que nasceu o Instituto Arredondar, que já arrecadou mais de R$ 3 milhões em mais de 8 milhões de micro-doações, beneficiando 30 organizações do terceiro setor: no Instituto Ipê, os centavos viraram 250 mil mudas de florestas nativas. No Instituto Melhores Dias, 2.200 hortas escolares.
O Arredondar promove pequenas doações na boca do caixa de varejistas parceiros: o cliente concorda em arredondar o valor das compras, e o instituto repassa os recursos a ONGs certificadas.
A ideia parece simples. Mas até o projeto começar a rodar, foram necessários mais de três anos para desenvolver uma tecnologia capaz de fazer a integração com o sistema dos caixas das lojas – sem gerar custos para o varejista. “Precisávamos de um modelo que o varejista não podia falar ‘não’: tinha que ser simples como arredondar centavos”, diz Ari.
O projeto já consumiu R$ 1,9 milhão de seed money de 58 pessoas físicas e oito empresas, incluindo Fundação Arymax, Idea Zarvos, Instituto Azzi, Instituto Península, SerTrading, Tecnisa, Vicunha, Alupar e Taesa. Em 2016, o instituto recebeu ainda um prêmio de R$ 1,5 milhão do Desafio de Impacto Social do Google para escalar sua operação.
O centavos começaram a virar dinheiro sério com a entrada das lojas do Pão de Açúcar, no final de 2014. Mais recentemente, o Burger King aderiu, e a Gol está em fase de implementação.
O instituto fica com 20% dos recursos arrecadados para bancar sua própria operação. Hoje ele ainda depende de alguma doação para fechar as contas. “Acertamos no modelo e estamos quase no break-even”, comemora a diretora presidente, Nina Valentini. “Ano que vem não devemos mais precisar de aportes.”
As doações, que foram de R$ 1 milhão no ano passado, devem triplicar este ano e chegar a R$ 5 milhões em 2020.
Além de agregar novos varejistas (hoje são 25), Nina está começando a abrir novas frentes de negociação com empresas de adquirência, apps de delivery e emissoras de cartão de crédito.
O financiamento de ONGs por meio de micro-doações se popularizou com a experiência da Nota Fiscal Paulista – com a doação das notas fiscais. Mas o modelo foi alvo de uma série de fraudes e desvios devido à falta de um modelo de certificação das ONGs. Depois, com regras mais rígidas, acabou tendo a relevância reduzida.
“As pessoas têm medo de doar. Desconfiam das ONGs, têm medo da Receita Federal”, diz Ari. “A missão do Arredondar é superar essas barreiras.”
O que Ari não imaginava ao fundar o Arredondar era o tamanho do desafio tributário que enfrentaria: as doações de pessoas físicas para ONGs são tributadas tal qual o imposto de herança. Além disso, cada estado tem uma regra e uma alíquota diferente para o ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação). “As pessoas acham que minha vida ficou fácil depois que vendi a empresa”, brinca.
Hoje o Arredondar só consegue atuar em 17 estados – são aqueles que isentam de ITCMD doações de baixo valor. Bahia, Ceará, Paraná e Distrito Federal, entre outros, cobram imposto sobre doações, mesmo que de 1 centavo. A instituição tem atuado junto ao Confaz para tentar ampliar as isenções nos estados, garantindo uma maior segurança jurídica.
Esse complexo arcabouço tributário contribui para que o Brasil seja um dos países onde a população menos doa ou se engaja em projetos sociais. Em um ranking global de 146 países, estamos no 122º lugar.