Depois do rali poderoso do mercado argentino, gestores e analistas têm refeito projeções para identificar o que ainda está “barato” no país vizinho.

A Argentina é um trade macro, e o início de reorganização da economia no Governo Javier Milei esticou o valuation de ações e bonds.

Os bancos argentinos, por exemplo, são os mais caros da América Latina. Banco Galicia e Banco Macro, por exemplo, negociam a 2,5x price-to-book, enquanto a média da região varia de 1x a 2x (o Itaú, com tudo o que vem entregando, tem um P/B de 1,6x).

boopo javier milei

Os títulos soberanos de 10 anos em dólar estão pagando em torno de 11% ao ano – um patamar pouco superior ao de países com rating B-, um nível acima da nota de risco da Argentina (CCC-).

Há um ano, o retorno desses papéis estava em torno de 18%.

Ainda assim, a expectativa de que o governo conseguirá entregar uma segunda fase de ajustes e reformas tem levado gestores e analistas a justificar os preços atuais – e, em alguns casos, dobrar a aposta.

“É como estar num regime. Depois de perder os primeiros quilos, nos perguntamos como continuar,” diz Juan Martín Monge, CEO da Consultatio Financial Services, uma empresa argentina de investimentos que tem US$ 3 bilhões sob gestão.

“É claro que há riscos, mas a Argentina está saindo de um período péssimo e ainda há muito para acontecer,” afirma Monge.

A tese de longo prazo “continua intacta”, diz Trevor Yates, um analista sênior da Global X, responsável pelo ETF “ARGT”, que acompanha o MSCI All Argentina 25/50 Index.

Para ele, o país está no caminho para se tornar uma economia mais robusta e atrair investimentos. Se isso acontecer, vale a pena ter ações de bancos – apesar do valuation.

Na fase atual, Monge e outros gestores dizem que os bancos argentinos precisam ser analisados de maneira diferente.

O total de empréstimos corresponde a apenas 12% do PIB, um número que pode crescer se a economia se recuperar de forma sustentável.

O ajuste feito pelo governo, com um pesado corte de gastos públicos, provocou uma recessão que fez o PIB contrair quase 6% entre o quarto trimestre de 2023 e o segundo tri de 2024, além de reduzir dramaticamente a renda da população.

O PIB voltou a crescer no terceiro trimestre, mas a retomada do consumo privado – que na estimativa do Morgan Stanley contraiu 8% em 2024 – ainda é uma expectativa.

Se houver de fato um ciclo de expansão de crédito, os múltiplos atuais dos bancos se justificam, diz Alonso Aramburu, chefe de pesquisa de ações andinas e argentinas do BTG.

Ele analisou as instituições latino-americanas em ciclos anteriores e concluiu que o P/B chega a subir para até 4x antes de normalizar.

Além dos bancos, gestores e analistas veem o setor de energia com otimismo. O motivo é o potencial do campo de Vaca Muerta, uma das principais reservas de shale gas do mundo.

O que falta para o potencial virar realidade – e retorno – são investimentos. Vaca Muerta precisa expandir a infraestrutura de distribuição de gás internamente e para exportação (inclusive para o Brasil).

Isso beneficiaria empresas como a YPF e a Vista Energy, que negociam nos maiores múltiplos desde 2018, segundo o Citi.

Mas não dá para fazer isso sem recursos externos, e os investidores estrangeiros só vão considerar colocar dinheiro de verdade na Argentina quando o governo acabar com o controle de capitais.

Um processo mal feito, no entanto, pode pressionar a inflação e as contas externas de uma economia que não tem reservas. Esse é um dos maiores desafios do governo para o ano.

“A Argentina é um caso complexo e a relação risco-retorno está menos atrativa,” diz Andrés Cardona, estrategista de Argentina e México no Citi. “As oportunidades dependem, em parte, do prazo que os investidores estão mirando.”

O Citi tem recomendação neutra para as ações da YPF e da Vista Energy justamente porque acredita que a maturação dos investimentos no campo de Vaca Muerta levará anos.

No caso dos bonds, boa parte do ganho de capital gerado pela compressão de spreads já aconteceu, diz Daniel Gordonos, um portfolio manager na Vinci Partners.

“Vemos uns 100 bps de prêmio em relação ao crédito de países com rating B-, como Nigéria e Egito,” disse Gordonos, que gere um fundo lançado em abril de 2024 para aproveitar oportunidades no mercado de crédito da Argentina. O fundo rendeu perto de 60% até agora.

Monge, da Consultatio, acredita que as taxas podem cair mais. “Acho que podemos ser melhores que a Nigéria,” diz.

Até agora, a Argentina saiu de um déficit primário de 3% do PIB em 2023 para um superávit de 1,8% no ano seguinte, segundo o Citi.

A inflação passou de cerca de 30% ao mês para 30% ao ano e o risco-país caiu em torno de 70%, para 630 bps.

A continuidade dos ajustes depende, em parte, do resultado das eleições para o Congresso, em outubro.

“Um dos principais riscos para a Argentina hoje é Milei sofrer um revés político e não conseguir apoio para continuar a agenda de mudanças,” diz Yates.

Mas ele e outros analistas veem esse cenário como pouco provável, ao menos por enquanto, já que a popularidade de Milei segue relativamente alta.

“Há um ano, havia dúvidas se ele seria capaz de governar. Isso mudou.”