Um ano e meio atrás, nem os postes da Coelba queriam saber do IPO da Neoenergia.

Nada como um bull market no meio do caminho.

A três dias do pricing, que deve acontecer dia 27, a demanda já chega a mais de três vezes o book — numa oferta-base de R$ 4 bilhões que deve sair com folga acima do piso.

De dezembro de 2017 para cá, muita coisa mudou para a holding de distribuição, transmissão e geração de energia.

Os acionistas — Iberdrola, Banco do Brasil e Previ — aportaram quase R$ 3 bi (entre equity puro, conversão de dívida e capitalização de dividendos retidos) e o quarto ciclo de revisão tarifária melhorou os números da Coelba, o maior ativo da companhia, que também se tornou mais eficiente, com cortes de custos e despesas.

Mas a diferença fundamental está no momento de mercado: enquanto a Bolsa e as empresas comparáveis dispararam, a Neoenergia praticamente manteve sua ambição de preço. “Eles estão oferecendo o mesmo ativo, num mercado que se tornou muito mais caro”, resume um analista.

Há quem diga que, apesar de a oferta estar ‘quente’, o book está inflado. Isso porque, na oferta de CPFL, precificada há duas semanas com demanda de quatro vezes o book, uma série de investidores sofreram rateio e várias casas grandes ficaram de fora da oferta.

“Agora, o pessoal está colocando ofertas grandes em Neoenergia para garantir uma boa alocação”, diz um gestor. “Tem casa pequena colocando oferta que não faz jus ao tamanho”.

Enquanto tese de investimento, a Neoenergia está longe de ser uma unanimidade.

Por um lado, as casas locais mais voltadas para value investing clássico se queixam da falta de disciplina de alocação de capital da companhia e não veem grande diferencial na operação dos ativos.

Mas gestoras com mais apetite a risco estão sendo atraídas pelos múltiplos baixos.

3G Radar, SPX, Itaú e Miles Capital colocaram ofertas logo no início, fazendo as vezes de âncoras da transação, diversas fontes disseram ao Brazil Journal.

Nas contas de analistas, no piso da oferta a Neoenergia está negociando a 1,4 vez sua base de ativos regulatória (RAB), o principal parâmetro pelo qual as distribuidoras são remuneradas.  No topo da faixa, o múltiplo sobe para 1,6x.

Considerada um ativo bem operado, a CPFL negocia a 1,8 vez a RAB, enquanto Equatorial e Energisa, tidas como o ‘estado da arte’ da distribuição, negociam a quase 2,5 vezes.

A EDP, um player com um nível de eficiência próximo da Neoenergia, negocia a cerca de 1,6x, mas a comparação não é perfeita. As distribuidoras da Neoenergia estão concentradas principalmente no Nordeste, onde os impostos são menores quando comparados ao Sudeste, onde estão as concessões da EDP.

Normalizando a comparação para incluir o benefício fiscal, o EV/RAB da Neoenergia vai para cerca de 1,2 (no piso).

“Nesse preço, o papel aguenta muito desaforo”, resume o analista de uma gestora que já colocou uma oferta pelo papel.

A Neoenergia tem quatro distribuidoras de energia: a Cosern (RN), Coelba (BA), Celpe (PE) e a Elektro, que atua no interior de São Paulo e foi adquirida há dois anos. Cerca de 80% de sua receita vem da distribuição.

A companhia atua ainda em geração e transmissão — neste caso, com investimentos questionados pelo mercado.  A Neoenergia é dona de 10% de Belo Monte, um ativo com ‘muita encrenca e pouco retorno’, nas palavras de um investidor.

A postura em relação à transmissão é outro fator de incômodo. Desde a última tentativa de IPO, a companhia venceu leilões para construir mais de 4 mil quilômetros em linhões, com propostas consideradas extremamente agressivas.  Hoje, a companhia tem pouco mais de 600 km em linhas.

O enorme apetite pela Eletropaulo também corrobora os temores de quem acha que a empresa poderia alocar melhor seu capital. Apesar de ter perdido o ativo para a Enel, a Neoenergia foi até o fim na batalha, oferecendo um valuation astronômico pela distribuidora.

Na reta final do IPO, alguns investidores estão tentando entender em que medida os acionistas ‘enfeitaram a noiva’ — isto é, o quanto da melhora do balanço no último ano é efetivamente duradoura e o quanto é apenas ‘cosmética’, para inflar o valuation.

O Banco do Brasil é o principal vendedor na oferta: vai zerar sua posição de 9,8%. A Previ, que tem 38% das ações, vai cair para algo entre 33% e 27%, a depender da demanda pelos lotes suplementar e adicional. A Iberdrola vai vender um lote pequeno, de 2,45%, mantendo o controle com 50% do capital.

O alinhamento maior dos acionistas também garantiu uma oferta mais tranquila desta vez. Em 2017, os três membros do bloco de controle não chegavam a um acordo sobre preço. A Iberdrola tinha um crédito de R$ 1,5 bilhão com a Neoenergia que seria utilizado na oferta primária da primeira tentativa de IPO — ou seja, na prática, estava comprando ações, enquanto BB e Previ estavam vendendo.

Além disso, o consórcio anterior, que era formado por nove bancos, agora tem ‘apenas’ seis. “Antes, cada advisor falava para os acionistas irem para um lado”, diz uma fonte próxima à operação. “Dessa vez está todo mundo falando a mesma língua”.