A BDO/RCS se mantém há anos na quinta posição do mercado brasileiro de auditoria – atrás apenas das chamadas ‘Big 4’: a PwC, Deloitte, Ernst & Young e KPMG.

De uns anos pra cá, no entanto, o gap para as gigantes globais vem se estreitando, e a BDO tem se firmado como a principal alternativa à dominância das grandes.

A tacada mais emblemática foi a conquista da Lojas Americanas, que depois de descobrir uma bomba contábil de R$ 40 bilhões teve que trocar de auditoria, ejetando a PwC e abraçando a BDO.

Depois que a Americanas a colocou sob os holofotes, a BDO ganhou contas grandes como a Cosan – ficando encarregada dos balanços da Raízen, Rumo, Compass e Moove – e a Kalunga, a varejista de material de escritório. Antes, já havia conquistado clientes como a Sabesp e a Itaúsa.

Raul Correa ok

Historicamente focada no middle market – empresas com faturamento entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões – a BDO tem conseguido cavar seu espaço parte por mérito próprio, parte por uma questão regulatória. 

A CVM obriga o revezamento de auditorias a cada cinco anos, e como as ‘Big 4’ performam outros serviços além da auditoria – advisory, consultoria, procurement e tax – muitas vezes elas acabam ficando conflitadas por já atender determinado cliente em outras frentes.

“É um mercado que tem muitas opções de prestadores, mas quando você é uma empresa listada, a credibilidade do auditor pesa muito,” diz o chairman de uma empresa listada que é cliente da BDO. “Você acaba ficando preso às ‘Big 4’ e à BDO, que também tem conquistado uma boa reputação.”

A BDO também vem crescendo com M&As. No início do mês, ela comprou uma empresa que representava a auditoria inglesa Baker Tilly em Brasília e em Belo Horizonte, adicionando cerca de R$ 10 milhões ao seu faturamento. No ano passado, já havia adquirido o negócio de procurement da Nimbi, uma empresa de desenvolvimento de aplicativos.

Essa estratégia aumentou o top line da BDO em 60% nos últimos cinco anos – de R$ 232 milhões em 2018 para quase R$ 370 milhões no ano passado. 

Para este ano, a meta é crescer mais 17% e quebrar a marca dos R$ 400 milhões.

Esse crescimento, no entanto, não tem vindo sem dores. Pelo menos duas empresas listadas – Cosan e Azevedo & Travassos – já tiveram que publicar seus balanços do quarto trimestre não-auditados porque a BDO atrasou a entrega da auditoria. 

“Na Cosan, a gente teve um problema porque pegamos eles só em dezembro e eles tem muitas operações fora do Brasil, que temos que fazer a auditoria com nossos escritórios de fora,” Raul Corrêa da Silva, o CEO da BDO, disse ao Brazil Journal.

Segundo Raul, a BDO está contratando mais 400 pessoas, a grande maioria auditores, para dar conta do crescimento recente. Hoje a companhia tem mais de 2.000 funcionários espalhados em 27 escritórios no Brasil – o maior deles em São Paulo. 

Grande parte do crescimento da BDO tem a ver com o trabalho de Raul, um corinthiano roxo que começou como office boy de multinacional e foi construindo sua posição no mercado, um balanço por vez.

Corrêa diz que trabalha “24 horas por dia” – e não só na BDO. Além de sua carreira como auditor, ele é dono de dois restaurantes – o Cantaloup, no Itaim, e o Fino da Bossa, em Pinheiros – e diretor cultural do Corinthians, onde foi CFO na gestão controversa de André Sanchez.

Raul também foi um dos fundadores da Gaviões da Fiel, em 1969, e guarda até hoje um recorte com a primeira vez que seu nome saiu no jornal. A manchete: “Capangas da diretoria massacram Gaviões da Fiel.”

“Tínhamos um trabalho político muito forte contra o presidente do Corinthians daquela época, e aí ele montou uma torcida da diretoria e eles se divertiam batendo na gente,” lembra Raul, aos risos. 

A Gaviões também está por trás de seu primeiro emprego, aos 15 anos. “Depois que meu pai viu essa notícia no jornal, ele me disse que não ia mais financiar as minhas viagens para assistir aos jogos. Semanas depois eu estava com minha primeira carteira assinada.”

De office boy o jovem Raul virou sub-contador, até ser convidado a trabalhar na Arthur Andersen, a gigante da auditoria que mais tarde colapsou no escândalo da Enron. Ficou lá alguns anos, até fundar sua própria empresa nos anos 80.

Em 2001, Raul vendeu sua metade e, depois de cumprir um non-compete de quatro anos, fundou uma nova empresa, a RCS, as iniciais de seu nome. Quatro anos depois, em 2009, a empresa passou a representar a BDO no Brasil. 

A BDO, uma empresa belga, opera em 166 países e faturou US$ 14 bilhões no ano passado. A empresa tem crescido por meio de M&As e tipicamente é a quinta maior nos grandes mercados onde atua.

Os dados do faturamento das ‘Big 4’ no Brasil não são públicos, mas Raul estima que a BDO tenha cerca de dois terços do tamanho da quarta empresa do mercado, a KPMG. 

“Estamos trabalhando para diminuir essa diferença ano a ano, mas tem uma parte que depende de uma força mundial de branding, que não temos muito o que fazer,” disse ele. 

Alguns anos atrás, a BDO chegou a ser a quarta do Brasil porque a Deloitte decidiu se distanciar de estatais, mas voltou atrás na decisão, ultrapassou novamente a BDO. 

“Nesse mercado o branding pesa muito, e as 4 são as 4,” disse Raul. “Mas quando pegamos uma Americanas, uma Cosan, uma Sabesp, isso naturalmente muda a empresa de patamar.”