LONDRES — O ex-presidente da República, Michel Temer, disse hoje que não existe ativismo judicial no Brasil — um tema que vem sendo cada vez mais debatido nos últimos anos.

10229 0ba02076 00ad 0e49 0000 5ccbd71dd9cb“Não há nada disso,” Temer disse durante o I Fórum Jurídico Brasil de Ideias, organizado pelo Grupo Voto aqui em Londres. “O que há, muitas vezes, é uma interpretação do sistema constitucional.”

Ele disse ainda que é preciso lembrar que a jurisdição é inerte — ou seja, só age se provocada — e que o Judiciário é muito ativo porque “todas as questões são levadas a ele.”

“Sempre que há um conflito ele é levado ao Judiciário. E quem mais provoca a Corte Suprema é precisamente a classe política,” disse o ex-presidente. “Quando alguém não tem sucesso no poder Legislativo leva logo a questão para o STF — e lá chegando, evidentemente que o STF tem que decidir a respeito.”

Sobre as críticas ao papel do Judiciário em temas relacionados à política — como os ataques de janeiro — Temer disse que o ataque ao Estado democrático é proibido pela legislação.

“O Judiciário está literalmente aplicando o texto da Constituição brasileira. Por isso, quando se fala em ativismo, temos que levar em conta essas questões.”

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No mesmo painel, Luis Felipe Salomão, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, concordou com a visão de Temer. 

Questionado se achava que o Judiciário acabava governando o País, ele disse que “quem leva os problemas para o Judiciário é a cidadania, é a classe política, que perdeu o grau de negociação interna e leva para o Judiciário a resolução de problemas.”

“Questões de costumes também têm ido muito para lá. São fenômenos da modernidade que acho que o Judiciário não é o culpado. É até uma espécie de vítima.”

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Em outro painel, Antonio Saldanha Palheiro, Ministro do STJ, disse que o tribunal tem recebido uma avalanche de processos nos últimos anos — especialmente de pedidos de habeas corpus. 

“Só vejo uma saída para isso, que é o fortalecimento dos sistemas de precedentes,” disse ele. “Com o sistema de precedentes, os processos tendem a parar no início, porque eles vão apenas seguir os precedentes dos supremos tribunais.”

Ele notou que já está havendo uma migração no Brasil do sistema convencional de civil law, do livre convencimento, para uma mescla dele com o sistema de precedentes, a common law.

“Mas a dificuldade é grande, porque todos fomos formados no sistema de livre convencimento. Poucos juízes têm formação depois de 2015, quando o sistema de precedentes foi positivado,” disse ele.

Para ilustrar essa dificuldade, o Ministro contou a anedota de um jornalista que perguntou a Bob Marley o que precisava fazer para se tornar um rastafari. “Nascer de novo,” respondeu o músico.

“A gente está meio assim. Temos que mudar completamente nossa mentalidade para entender essa mudança. E temos que fazer um mea culpa porque nossos precedentes não são da maior qualidade. É difícil encontrar um precedente que não tenha um ‘salvo se…’, ‘exceto em…’,” disse ele.