Na véspera de se tornar CEO da Oi, Eurico Teles estava literalmente no escuro. 

Internado e se recuperando de uma cirurgia para corrigir um problema nas pálpebras, o então vice presidente jurídico da Oi tinha uma venda nos olhos quando recebeu a visita de três outros executivos em seu quarto.  

10614 75514b6e 2f43 caf8 76f7 e6f4a27820e7Um deles, o então CEO Marco Schroeder, fez rodeios antes de dar a notícia:  “Colega, acabei de renunciar.” 

No dia seguinte, a diretoria da Oi escolheu Eurico como seu novo líder, colocando um veterano de 38 anos do sistema Telebrás e sem experiência operacional para desatar um nó épico:  evitar a falência de uma empresa com R$ 64 bilhões de dívida, em recuperação judicial há um ano e meio, e cujo colapso afetaria mais de 50 milhões de usuários. 

Nos 14 meses seguintes, Eurico conseguiu o improvável: prevaleceu numa briga contra Nelson Tanure (cujo histórico de takeovers impõe respeito), desenhou um plano de recuperação aprovado por quase unanimidade, e acaba de conseguir R$ 4 bilhões para o caixa da companhia no maior aumento de capital em curso no país.

***

Desde seu malfadado casamento com a Brasil Telecom, a Oi era um negócio destinado a quebrar.

O principal negócio da empresa — a linha fixa — era corroído pela migração para o celular e pelo Whatsapp.  Dívidas contraídas em dólar causavam um desequilíbrio estrutural e explodiam a cada crise cambial, minando o balanço da empresa. 

Em 2014, a Oi começou a ficar para trás na tecnologia: não participou do leilão dos 700 megahertz — uma frequência que dá maior abrangência de cobertura com menos antenas e maior qualidade para o sinal quando o usuário está indoors — simplesmente porque não tinha mais dinheiro.

Ao longo de todo esse tempo, a Oi também lutou com as mãos amarradas.  O Plano Geral de Metas de Universalização obrigava a empresa a manter em operação 640 mil orelhões, uma tecnologia tão obsoleta quanto a vela para iluminar o jantar. O custo da brincadeira: R$ 300 milhões/ano.  Pior: a Anatel frequentemente multava a empresa em R$ 1 mihão quando alguém reclamava de um orelhão quebrado.  (Novas regras aprovadas no final do ano devem permitir à Oi reduzir seu parque de orelhões para 150 mil.)

Além disso, a maior parte do tempo a companhia era controlada por um conselho em cuja presidência se revezavam a Andrade Gutierrez, o grupo Jereissati e a GP Investimentos.  Nenhum tinha uma visão estratégica ou operacional de telecom.

****

Quando Eurico foi ungido como CEO, a Oi estava sendo disputada, de um lado, pelos credores estrangeiros, donos de R$ 32 bilhões em créditos; de outro, pelos acionistas, que, liderados pelo empresário Nelson Tanure, aceitavam uma diluição máxima de 25%. 

Uma das sortes de Eurico foi ter conquistado a confiança do Juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que presidia sobre a recuperação judicial.  Os dois se encontravam regularmente, ocasiões nas quais Eurico prestava contas do progresso e das derrotas sofridas pela Oi.   

Preocupado com risco crescente da Oi quebrar, Viana instalou Eurico como interventor da empresa, dando-lhe plenos poderes para desenhar o plano de recuperação sem passar pelo conselho. Numa empresa em guerra civil entre credores e acionistas, isso faria toda a diferença.

Mas o meritíssimo estava com pressa:  deu ao executivo apenas nove dias úteis para apresentar o plano de recuperação – sob pena de responder civil e criminalmente se não o fizesse.  “Mas doutor Viana, nove dias??” perguntou o CEO, os olhos esbugalhados.  “Se vira, doutor Eurico,” respondeu o juiz.

Um banco de primeira linha fez um laudo e concluiu que mesmo um plano que impusesse uma diluição de 75% ainda geraria valor para os acionistas da Oi.  O percentual foi adotado por Eurico.  

“No dia de assembleia de credores, eu percebi que aquela era a última oportunidade da companhia não morrer, e a responsabilidade estava toda na minha mão.  Pensei: ‘Eu tenho que negociar dentro de um limite que não vai ser o ideal, mas vai ser o melhor’.”  

***

O presidente da maior tele brasileira em área de cobertura e número de clientes nasceu em Piripiri, no interior do Piauí, uma cidade de 62 mil habitantes e 3.393º no ranking do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano. 

Sua mãe dava aula na escola onde ele estudava — e reprovou o filho na quinta série. Inconformado, o moleque foi tomar satisfação. “Aqui eu sou sua mãe, lá sou sua professora,” teve que ouvir. 

Dona Maria Dolores teve 8 filhos e, quando se divorciou, não quis o dinheiro do ex-marido.  A família tinha um quê de extraordinário.

A mãe fez um doutorado em linguística — aos 70 anos — e todos os 10 irmãos Teles se formaram, cada um bancando os estudos do outro.

Caçula da família, Eurico fez a vida na Bahia, onde formou-se em economia e direito, e começou a carreira como estagiário na então Telebahia.  Seu sobrenome — Teles — acabaria se revelando um presságio.

Sua primeira tarefa profissional foi acompanhar as equipes que percorriam as ruas implantando a grande inovação na época: bandejas metálicas que serviam de apoio para listas telefônicas nos orelhões. Foi subindo na Oi até se tornar diretor jurídico da empresa em 2004 – função que exerce até hoje, acumulando com a presidência.

*****

Costurar a aprovação do plano de recuperação exigiu tino e traquejo.

O juiz Viana, por um lado, é um homem muito voltado para a mediação, a composição entre as partes.  “Faça um projeto de mediação, doutor Eurico, use mediadores do tribunal,” exortava Viana.

Estimulado pelo juiz, Eurico estruturou um programa de acordo com pequenos credores que acabou se tornando a maior mediação extrajudicial já realizada no país. Foram celebrados quase 35 mil acordos, o que possibilitou que mais de 70% dos credores da Oi — milhares de pessoas físicas e jurídicas com créditos de até R$ 50 mil — recebessem antecipadamente.  Em alguns municípios, a Oi mandava uma van preparada para fazer os acordos: um advogado, uma assistente, um mediador do tribunal e um computador.  Tudo embasado por um projeto da FGV. 

A assembleia de credores começou às 8 da manhã de um dezembro escaldante e terminou às 4 da manhã do dia seguinte, com o sol prestes a nascer sobre o Riocentro, o único foro capaz de acomodar a assembleia de uma companhia tão superlativa.

O filho de dona Dolores jogou pesado.

Em várias ocasiões ao longo do dia, Eurico deu prazo de 5 minutos para credores recalcitrantes decidirem: era pegar ou largar.  Vários deles — incluindo grandes bancos — queriam adiar a assembleia mais uma vez, alegando que ainda havia muitos pontos a ser negociados.  “Não vou adiar! Ou essa companhia vai falir hoje, ou vai se recuperar,” respondia o CEO. 

Quando percebeu que a Anatel e a Advocacia Geral da União votariam contra o plano — “não encontramos uma lei para embasar um voto a favor”, disseram os técnicos federais — Eurico mandou os advogados transferirerm os créditos de ambas para a chamar “dívida residual”.  Tradução: a Oi vai pagar-lhes o que deve ao longo de 20 anos.

Em seguida, chamou os outros credores e mostrou como estava tratando os entes da União.  “Isso é para vocês verem como isso aqui é uma assembleia isonômica,” dizia.

Depois de mais de 15 horas de discussões, o plano foi aprovado com uma diluição de 72,1%.  Das quatro classes de credores, duas (incluindo a trabalhista) aprovaram o plano por unanimidade.  Outra, com 99,8% dos votos.

A aprovação do plano cortou a dívida financeira bruta da Oi de R$ 49 bilhões para R$ 14 bilhões — a redução no principal (R$ 35 bilhões) supera o PIB de quatro estados brasileiros somados (Acre, Amapá, Roraima e Tocantins). Só com os bondholders, que eram os maiores credores, a dívida caiu de R$ 32,8 bilhões para R$ 5,8 bilhões.

Ao longo do processo de RJ, a Oi manteve o foco no negócio. Até o terceiro trimestre de 2018, seu custo operacional caiu quase R$ 1 bilhão, e a companhia encerrou o ano investindo cerca de R$ 6 bilhões (5,5% a mais que no ano anterior), com foco em melhoria da qualidade e transformação digital. Como resultado, as reclamações na Anatel e os processos nos Juizados Especiais Cíveis caíram cerca de 20% 

Um ano depois de aprovado o plano, já com a dívida equacionada e seu balanço limpo, a Oi agora está concluindo um aumento de capital que acaba de injetar R$ 4 bilhões em seu caixa. A capitalização contou com a participação dos acionistas atuais, incluindo os credores que transformaram dívida em equity. 

Agora, o futuro da Oi  passa por uma revisão estratégica, incluindo planos de M&A, assim como opcionalidades importantes: se aprovado, o PL 79, em tramitação no Congresso, vai remover a maior parte dos ônus das concessionárias, aumentando o valor de mercado da Oi e de suas concorrentes de um dia para o outro.

A parte operacional também será um desafio.  A Oi já tem um backbone robusto — os troncos principais de fibra que perpassam todo o Brasil.  Agora, a companhia está começando a investir pesado na última milha, o que lhe permitirá começar a substituir a banda larga de cobre (que oferece velocidades limitadas de conexão) e passar a oferecer pacotes de ‘ultra velocidade’ de 200 mega. 

O objetivo é quadruplicar o número de residências com acesso à banda large de fibra ainda em 2019; hoje, a companhia tem 1 milhão de residências ‘fibradas’ e cerca de 100 mil clientes pagantes.

****

Apesar de ser o CEO, Eurico recebe o salário de vice-presidente até hoje.  

“Como é que eu ia ter moral para pedir a alguem para apagar a luz, para não imprimir, se eu não abrisse mão do salário?” diz o CEO que paga seu próprio almoço e usa carro próprio para chegar ao trabalho.

Até agora, Eurico responde a três processos como CEO da Oi;  para efeito de comparação, do tempo em que ficou à frente da Petrobras, Pedro Parente herdou 50.

No dia em que os credores aprovaram o plano de recuperação, Eurico não conseguiu dormir.  Saiu do Riocentro e voltou à sede da empresa no Leblon.

Pegou um megafone e desceu os oito andares do prédio dando a boa notícia aos funcionários — e chamando todos pra guerra.  O CEO dava socos no ar, mas às vezes a voz embargava.

“Sempre tive uma sorte muito grande de encontrar pessoas que acreditam em mim, e isso fez toda a diferença,” diz o CEO, refletindo sobre sua vida.  “Não encontro ninguém aqui que não queira levantar essa companhia, e o meu maior orgulho é saber que, com todas as minhas limitações, eu trouxe essa equipe até aqui.”