A ação da Localiza&Co tem ficado sob forte pressão no último ano, com os investidores colocando no preço a piora na depreciação dos carros — que tem consumido parte importante do lucro da locadora. 

O papel cai mais de 40% nos últimos 12 meses, com a empresa negociando hoje a 14x o lucro estimado para este ano, um desconto brutal em relação à sua média histórica de 22x.

Apesar do cenário desafiador no curto prazo, os ‘comprados’ no papel acham que a piora nos resultados é cíclica — e que a queda recente pode ser um ponto de entrada (noves fora os desafios do mercado de equities como um todo). 

Esse problema da depreciação “é como se fosse um movimento de limpeza de balanço: como se um banco tivesse dado crédito errado numa safra e depois corrigisse e seguisse em frente,” disse o analista de uma gestora que tem uma posição grande no papel.

“E diferente dos bancos, a Localiza quase não tem competição. Depois de limpar essa safra, ela vai conseguir se apropriar ainda mais do crescimento do setor.”

Esse gestor disse que agora a empresa está sendo extremamente conservadora nas novas precificações — colocando como premissa que o preço dos carros novos não vai subir por três anos e que o spread entre o carro novo e usado não vai fechar. “Até achamos que ela pode estar sendo conservadora demais, gerando um excesso de retorno no futuro,” disse ele.

Os problemas da Localiza se acentuaram no segundo semestre do ano passado. 

Na pandemia, quando os preços dos carros novos e usados dispararam pelos problemas no supply chain, a Localiza segurou ao máximo a compra de novos carros, enquanto concorrentes como a Movida aumentavam a frota. 

O problema: quando a Localiza achou que o preço do carro havia se acomodado (no segundo semestre do ano passado), ela voltou a comprar — e errou a mão.

 “Ela achou que o gap entre o usado e o novo ia voltar aos padrões históricos, de 12% a 15% de desconto, o que acabou não acontecendo,” disse o analista, acrescentando que esse gap hoje está em 15% a 18%. 

Em bom português: a companhia alocou mal o capital e agora está pagando o preço.

Outro gestor — que teve o papel por anos mas vendeu em meados do ano passado — disse que a companhia está tentando corrigir esse erro aumentando as tarifas dos aluguéis. “Mas a depreciação está se mantendo mais alta do que a companhia está conseguindo aumentar os preços.”

Segundo esse gestor, o problema é que não dá para aumentar o preço tão rápido. 

“O carro de aluguel na loja até dá para fazer mais rápido, mas tem contratos de 2-3 meses e contratos de longo prazo que demoram para você conseguir reajustar,” disse ele. “Os carros alugados para Uber são a mesma coisa. Se você aumenta o preço rápido você quebra o motorista. Então tem um lag natural desse aumento, e a depreciação segue subindo.”

A depreciação — que é reavaliada trimestralmente considerando o preço de compra dos carros e a estimativa do preço de venda — subiu de forma brutal no ano passado. 

No RAC (o segmento de aluguel para pessoas físicas que representa 25% da receita da companhia), a depreciação média por carro saltou de R$ 3.500 em 2022 para R$ 6.300 em 2023. Na gestão de frotas, foi de R$ 3.700 para R$ 6.000 no mesmo período.

No primeiro tri deste ano, houve uma leve melhora no indicador (tanto no RAC quanto na gestão de frotas), o que fez o papel da Localiza abrir em alta de quase 5% no dia da divulgação.

Mas depois da call de resultado, quando o CEO Bruno Lasansky disse que a depreciação voltaria a piorar no segundo tri, o papel virou e fechou em queda de 5%. 

Na visão de gestores, uma saída para a Localiza seria fazer um impairment dessa depreciação, jogando todo o prejuízo num único trimestre e limpando o balanço de uma só vez — o que daria mais previsibilidade ao investidor daqui por diante. 

“No trimestre que ela fizesse isso, o resultado ficaria muito ruim, mas aí pelo menos já resolveria isso e tiraria esse peso de cima dela,” disse outro analista.

Um gestor nota que uma decisão dessas era muito mais fácil de ser tomada quando a Localiza era uma empresa tocada pelos ‘donos’, as famílias Mattar e Resende.

“O executivo sempre tem uma cabeça diferente do dono, então essas decisões mais difíceis, como fazer um impairment, acabam ficando mais lentas mesmo,” disse este gestor. “A Localiza era uma companhia tocada pelos fundadores e por executivos que estavam há mais de 30 anos lá, e agora está sendo tocada por novos executivos, que não têm confiança para tomar decisões duras.”

Parte relevante da discussão sobre o futuro da Localiza é se a queda nos preços dos carros é pontual — com os spreads entre novos e usados voltando à média histórica com o tempo — ou algo mais estrutural.

Enquanto os ‘comprados’ acreditam que a queda é principalmente por uma correção dos excessos da pandemia, os céticos acham que ela tem relação também com a entrada das montadoras chinesas no Brasil — que pressionaram os preços de todo o setor para baixo.

“Está tendo uma pressão clara no mercado de carros zero km por conta dos chineses. Todo mundo está tendo que baixar preços para competir,” disse o gestor mais cético com a ação. “A correção dos excessos da pandemia é um one-off, uma hora acaba. Mas a mudança do ambiente competitivo é bem mais difícil de prever.”

O analista comprado, no entanto, disse que os chineses são apenas 4% das vendas de carros no Brasil, e que o preço dos carros chineses que estão chegando não compete com os carros de entrada, que são o foco das locadoras. 

“Temos que avaliar isso ao longo do tempo, mas acho que esse impacto não existe hoje.”

O gestor mais cético também acha que a discussão da depreciação tem tirado o foco do mercado de outro tema relevante envolvendo a empresa: a integração dos ativos comprados da Unidas — que, para ele, está patinando.

“A depreciação é porta para fora. Mas me parece que está sendo um momento duro da porta para dentro também,” disse ele. “Parece que eles estão tendo mais dificuldade do que achamos que teriam na integração da Unidas, pela quantidade de iniciativas dos últimos anos.”

Outro ponto que deixou um gosto amargo no mercado foi uma mudança contábil feita pela Localiza para melhorar a fotografia de sua operação de seminovos. 

Até pouco tempo, a companhia reportava os custos de preparo para a venda dos carros (basicamente, o valor que ela gasta no mecânico para deixar o carro pronto para ser vendido) na vertical de seminovos. 

No ano passado, ela decidiu passar a reportar esse custo dentro da vertical de onde o carro veio (o RAC ou a gestão de frota).

Se a Localiza não tivesse feito essa mudança, o consenso entre analistas é que a vertical de seminovos provavelmente estaria operando com margem negativa hoje. 

Mas como tudo sempre é uma questão de preço, mesmo o gestor cético acha que o papel está começando a chegar num preço atraente. “Se cair um pouco mais, podemos começar a pensar em comprar.”

A Localiza vale R$ 42 bilhões na Bolsa, com o papel cotado pouco abaixo de R$ 40.