O que é Deus?
Essa foi a resposta que Erica Butow recebeu quando perguntou ao pai, um judeu alemão sobrevivente do Holocausto, sobre a existência do Todo Poderoso.
“Ele tinha esse jeito de fazer a gente pensar,” a co-fundadora da ONG Ensina Brasil disse ao Brazil Journal. “O bom professor é aquele que deixa você seguir seu caminho.”
Já a mãe de Erica era uma trabalhadora doméstica, e analfabeta.
Essa mistura fez com que a jovem conhecesse os dois lados da realidade social: o da falta de uma educação básica de qualidade, e os benefícios do pensamento crítico. Após uma trajetória acadêmica excepcional, Erica decidiu que deveria ajudar a resolver os problemas educacionais do Brasil.
Desde 2016, o Ensina Brasil vem se consolidando como uma das mais relevantes organizações dedicadas à melhoria da educação pública no País.
Inspirada no modelo do Teach For America, a maior organização educativa do mundo, e integrante da rede global Teach For All, presente em mais de 60 países, a ONG recruta jovens talentos – tipicamente recém formados nas universidades – para atuar como professores em escolas públicas de alta vulnerabilidade por dois anos.
“No recrutamento, buscamos os melhores talentos,” disse Erica. “ Estamos ali competindo com o Nubank e com a Bain, por exemplo.” Os jovens são pagos pelo governo municipal ou estadual, no modelo de contratação temporária (“não concursados”).
A experiência é ao mesmo tempo um mergulho nos desafios reais da educação brasileira e uma formação prática para criar lideranças comprometidas com a equidade e a qualidade do ensino.
“É como um programa de trainee para se tornar um gestor na área de educação, só que, ao mesmo tempo, é preciso lidar com os problemas sociais brasileiros, como a violência e a fome,” disse Erica.
Com mais de 110 mil inscritos desde sua fundação, o Ensina Brasil já formou mais de 700 pessoas — 85% delas ainda atuando com educação e impacto social — e impactou diretamente mais de 330 mil estudantes.
A organização está hoje em 130 escolas públicas de (apenas) seis estados – por meio de parcerias com prefeituras e governos estaduais – e conta com o apoio de nomes como a Fundação Lemann, Fundação Itaú, GOL, Tinker Foundation e Alcoa Foundation.
Em maio, no jantar de gala do Person of the Year em Nova York, a Câmara de Comércio Brasil-EUA reconheceu o trabalho do Ensina com o prêmio Social Responsibility in Leadership Development.
Todo o trabalho da ONG é dedicado à formação de lideranças. Para desenvolver o modelo, Erica mergulhou no universo do terceiro setor e conheceu diversas iniciativas no mundo, entre elas a Teach for America.
“Estive no evento de final de ano deles. É impressionante. Num desses ginásios gigantes dos Estados Unidos, dezenas de milhares de alumni celebram como se fosse uma final de campeonato”, disse Erica.
Neste intensivo, Erica percebeu que já existem no mundo diversos modelos de educação pública viáveis, e muitos casos de sucesso. No Brasil, o que falta são profissionais suficientes para dar conta dos desafios.
Enquanto a Teach for America, criada em 1990, já formou diversos secretários de educação e diretores de escolas, o Ensina Brasil comemora este ano sua primeira secretária de Educação: a recém-nomeada Lais Costa de Oliveira, na cidade de Lavras, em Minas Gerais.
“Educação é como qualquer outro setor: quando se tem os melhores profissionais a chance de dar certo aumenta,” disse Erica.
O desafio do Ensina Brasil é o financiamento. A ONG já é uma das maiores do País, com um orçamento de R$ 15 milhões – um nada, se comparado ao da Teach for America, que ultrapassa US$ 300 milhões.
A demanda de governos municipais por parcerias é maior do que a ONG consegue atender. Com mais doações, Erica acredita que pode chegar ao seu objetivo de garantir uma boa educação a todos os brasileiros.
Uma cria do Ensina é Sofia Fernandes, que formou-se em Relações Internacionais pela UnB e em seguida foi trabalhar na Ambev. Um ano depois, no entanto, Sofia decidiu lecionar em uma escola pública da periferia de Campo Grande (MS) como professora do Ensina Brasil.
Na sala de aula, enfrentou os desafios do dia-a-dia, viu de perto as desigualdades que afetam o acesso à educação, e saiu do programa decidida a seguir tentando transformar o setor. Hoje sócia e CRO da Letrus, uma edtech de inteligência artificial, Sofia conversa com prefeitos e já usou sua experiência no Ensina Brasil para levar tecnologia para mais de 300 mil alunos da rede pública.
Mas o impacto que Sofia teve na sala de aula foi ainda mais poderoso. Uma de suas alunas era Mariana Lima, que aos 15 anos cursava o ensino médio noturno e trabalhava para complementar a renda de casa.
Inspirada pelas aulas de Sofia e outros Ensinas — numa escola em que quase nenhum aluno sonhava com a universidade — Mariana contrariou as estatísticas: passou no vestibular de jornalismo da UFMS, tornou-se conselheira jovem de educação, participou de pesquisas nacionais na área — e quis fazer para outros alunos a diferença que Sofia fez em sua vida.
Selecionada entre 16 mil candidatos para ser parte da nova turma do Ensina, Mariana hoje é professora na mesma escola em que estudou, além de liderar projetos de leitura na periferia de Campo Grande e atuar diretamente com estudantes que, como ela, buscavam uma referência que os fizesse acreditar no próprio potencial.
Recrutar, selecionar e treinar cada professor custa ao Ensina Brasil R$ 15 mil por ano, no programa de dois anos. Pessoas físicas podem doar por aqui, e empresas podem customizar projetos para atender áreas específicas.