Uma redução do escopo de atuação da CVM pode avançar em Brasília sem que a Comissão consiga sequer participar da discussão, 20 membros do alto escalão da autarquia denunciam em uma carta aberta.
No âmbito da PEC da autonomia orçamentária e financeira para o Banco Central — em pauta na CCJ do Senado — os congressistas passaram a discutir a possibilidade de o BC ter uma maior ingerência sobre a indústria de fundos do País, em um momento de expansão do mercado de capitais.
A atribuição hoje é da CVM, que não foi convidada a debater o tema.
“A PEC representa uma oportunidade relevante de se repensar o modelo institucional do Sistema Financeiro Nacional. Para que essa discussão leve a avanços consistentes e bem fundamentados, é imprescindível que a CVM esteja presente, trazendo sua perspectiva técnica e sua experiência regulatória,” defendem os superintendentes.
Os signatários também chamam atenção para o baixo orçamento da autarquia, o que dificulta sua atuação.
Em 2024, apenas 27% do total arrecadado pela autarquia com a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários foram de fato destinados à sua atividade, diz a carta.
Do R$ 1,1 bilhão recolhidos, R$ 296 milhões foram repassados para o financiamento das atividades regulatórias, o que inclui todas as despesas obrigatórias e discricionárias da CVM.
“A melhor forma de aperfeiçoar o sistema financeiro brasileiro é fortalecendo suas instituições — inclusive por meio da garantia de recursos adequados para o desempenho de suas atribuições,” diz o texto.
Nessa linha, os funcionários da CVM atentam ainda para a importância de o Colegiado da autarquia permanecer técnico, o que segundo eles permite que as decisões da instituição reflitam seu conhecimento acumulado e o compromisso com a execução qualificada da política pública setorial.
Assinam a carta André Francisco Luiz de Alencar Passaro, Andréa Araujo Alves de Souza, Antonio Carlos Berwanger, Bruno Barbosa de Luna, Bruno de Freitas Gomes, Carlos Cesar Valentim Alves, Carlos Guilherme de Paula Aguiar, Cintia de Miranda Moura, Daniel Valadão de Sousa Corgozinho, Eduardo Manhães Ribeiro Gomes, Fernando Soares Vieira, Felipe Claret, Fernando Soares Vieira, Luiz Felipe Marques Lobianco, Luis Miguel Jacinto Mateus Rodrigues Sono, Marco Antonio Velloso de Sousa, Nathalie de Andrade Araujo Matoso Vidual, Paulo Roberto Gonçalves Ferreira, Thiago Paiva Chaves e Vera Lucia Simões Alves Pereira de Souza.
Abaixo, a íntegra da carta:
Carta Aberta dos Superintendentes da Comissão de Valores Mobiliários aos Investidores, à Sociedade, ao Governo e ao Congresso Nacional.
Determinados momentos exigem um posicionamento claro em defesa do interesse coletivo, da estabilidade institucional e do bom funcionamento das engrenagens do Estado Brasileiro. Nós, servidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), atualmente superintendentes da Autarquia, julgamos que este é um desses momentos e nos sentimos no dever de manifestar publicamente nossa preocupação com os rumos do sistema financeiro nacional e com a necessária valorização institucional da CVM.
Desde sua criação pela Lei nº 6.385/1976, a CVM é o órgão responsável pela regulação e supervisão do mercado de capitais brasileiro, sendo parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, ao lado do Banco Central do Brasil, da SUSEP e da PREVIC. O sucesso da atuação da CVM pode ser medido pelo desenvolvimento e sofisticação que o mercado de capitais brasileiro alcançou nas últimas décadas – com destaque para a indústria de fundos de investimento, os mercados de bolsa e balcão, e os mecanismos de proteção aos investidores. Trata-se de um modelo institucional bem-sucedido, que combina especialização técnica com independência decisória, e que deve ser preservado e fortalecido.
Nesse sentido, é essencial que a CVM conte, em sua instância máxima de deliberação, com um Colegiado plenamente composto e com representação técnica oriunda da própria Casa. A presença de membros oriundos da carreira técnica da Autarquia tem se mostrado, historicamente, um fator de equilíbrio e continuidade regulatória, permitindo que decisões estratégicas do Colegiado reflitam o conhecimento acumulado da instituição e o compromisso com a execução qualificada da política pública setorial.
Essa composição não exclui perfis externos — ao contrário, a combinação de visões distintas enriquece o processo decisório — mas é fundamental que a memória institucional e a vivência cotidiana da regulação estejam representadas. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, em seu Acórdão nº 3.252/2020, ressaltou, em forma de recomendação, a importância de integrar ao Colegiado da CVM pelo menos um servidor efetivo da Autarquia, “de modo a obter uma composição equilibrada, nos aspectos de formação técnica e político-estratégica”.
Adicionalmente, temos acompanhado com atenção e muita preocupação notícias que indicam movimentos em curso envolvendo revisão no perímetro regulatório da CVM para atribuir a outros órgãos competências historicamente desempenhadas pela Autarquia, como no caso dos fundos de investimento. Reconhecemos a importância da atuação coordenada entre os diversos órgãos do Sistema Financeiro Nacional e entendemos que a modernização do arcabouço regulatório deve ocorrer de forma colaborativa, com respeito às competências legais e ao histórico técnico de cada instituição. A experiência acumulada da CVM, em especial na regulação de conduta e proteção do investidor, pode e deve ser um ativo valioso nesse processo.
Nesse contexto, a Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2023, atualmente em discussão no Congresso Nacional, representa uma oportunidade relevante de se repensar o modelo institucional do Sistema Financeiro Nacional. Para que essa discussão leve a avanços consistentes e bem fundamentados, é imprescindível que a CVM esteja presente, trazendo sua perspectiva técnica e sua experiência regulatória.
Reformas estruturais devem ser conduzidas com base em diálogo qualificado entre todos os órgãos envolvidos, garantindo a preservação dos ganhos institucionais acumulados ao longo das últimas décadas. O momento exige, portanto, responsabilidade, compromisso com o interesse público e respeito às conquistas regulatórias do país.
A melhor forma de aperfeiçoar o sistema financeiro brasileiro é fortalecendo suas instituições — inclusive por meio da garantia de recursos adequados para o desempenho de suas atribuições. A experiência internacional recente, em jurisdições que revisaram seus modelos regulatórios, nos mostra de forma inequívoca que esse é um aspecto crucial para o sucesso de qualquer modelo que venha ser escolhido.
Apesar de todo o esforço da atual alta administração da CVM em busca de melhorias, a Autarquia enfrenta desafios estruturais relevantes. E não é por falta de arrecadação de sua taxa de fiscalização!
Em 2024, por exemplo, foram destinados à CVM apenas 27% do total arrecadado com a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários, tributo vinculado que tem como fato gerador o poder de polícia legalmente atribuído à Autarquia. Foram mais de R$ 1,1 bilhão arrecadados com Taxa e apenas R$ 296 milhões efetivamente destinados ao financiamento das atividades regulatórias, incluindo-se nesse montante absolutamente todas as despesas obrigatórias e discricionárias da CVM, inclusive com aposentados e pensionistas. Em outras palavras, só no ano passado, o crescimento substancial do mercado regulado resultou em superávit de mais de R$ 800 milhões ao caixa da União, sendo mais uma evidência do grande descasamento entre o desafio regulatório atual e a disponibilidade de recursos para o desempenho das atribuições legais da Autarquia.
Manifestamos, assim, nosso compromisso pessoal com a defesa da CVM, com a proteção do investidor e com o desenvolvimento de um mercado de capitais íntegro e eficiente.
Finalmente, colocamo-nos à disposição para contribuir, de forma técnica e propositiva, com todas as instâncias de Governo e do Congresso Nacional que estejam empenhadas em construir um futuro institucional mais robusto em prol do país.