Quando o crédito associativo foi criado pela Caixa Econômica Federal em 1998, o pai de Fabio Cury ficou deslumbrado com a novidade.

“Com esse mecanismo, se a gente for um operador muito bom e com uma engrenagem bem montada, a gente vai conseguir ganhar muito dinheiro no mercado imobiliário sem colocar um centavo,” ele disse ao filho, hoje o CEO da Cury Construtora. “Vamos comprar  terrenos em permuta e fazer a obra com o dinheiro do programa. É a descoberta da roda!”

Desde então, Fabio tem seguido à risca as palavras de seu pai. 

Fabio CuryEntra governo, sai governo, a Cury continua fazendo ‘mais do mesmo’: apostando todas as suas fichas no segmento econômico — hora focando em faixas mais baixas do Casa Verde Amarela, hora subindo um pouco na cadeia de valor.

Agora, a construtora está apostando nas faixas 3 e 4 do programa, com apartamentos que vão de R$ 200 mil a R$ 500 mil. A construtora opera apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

“Mas vamos supor que o Lula vença… eu tenho certeza que ele vai querer turbinar as faixas mais baixas, a 1 e 2. Aí a gente vai voltar para lá, te garanto que vamos voltar pra lá,” Fabio disse ao Brazil Journal.

Essa simplicidade e consistência ajudaram a transformar a Cury de uma pequena empresa familiar que faturava R$ 30 milhões em 2007 (antes da joint venture com a Cyrela) em uma empresa de R$ 2,5 bilhões de valor de mercado. 

A fórmula continua rendendo frutos.

Desde seu IPO há dois anos, a Cury praticamente dobrou seu valor geral de vendas (VGV) — entregando mais do que prometeu aos investidores.

Na época do IPO, Fabio dizia ao mercado que queria chegar num VGV de R$ 1,5 bilhão em 2020 e R$ 2 bilhões em 2021. A empresa entregou R$ 2 bilhões em 2020 e R$ 2,5 bi no ano passado — um número que deve subir para R$ 3 bi este ano.

Diferente de outras empresas que operam no segmento econômico, a Cury também tem conseguido surfar bem a alta da inflação — com repasses significativos de custos que têm mantido a margem bruta estável, na faixa de 37%.

A ação é negociada hoje a R$ 8,70, pouco abaixo do preço do IPO (R$ 9,35). 

Abaixo, trechos de nossa conversa com o CEO.

Como está a dinâmica de repasse de preços para vocês? Pelo último resultado, parece que estão conseguindo lidar bem com a situação.

Isso tem a ver com a nossa decisão de anos atrás, lá em 2018, de mudar o foco para as faixas mais altas [do Casa Verde Amarela]. Estávamos percebendo que as dificuldades estavam chegando nas faixas 1 e 2 e tomamos a decisão de subir a faixa por conta disso. Então, a gente tem conseguido botar preço muito bem, em parte por esse movimento que fizemos.

Você tem algum exemplo?

Um exemplo claro é o nosso sucesso no Porto Maravilha, no Rio. 

O Porto Maravilha é uma área que foi reurbanizada em 2011 para a chegada da Olimpíada e da Copa do Mundo com a ideia de ser uma espécie de ‘Manhattan Carioca’. O fundo FGTS da Caixa colocou R$ 5 bilhões para a reurbanização com o objetivo de fazer um centro expandido do Rio lá, uma área estritamente comercial. Alguns prédios comerciais até saíram, mas o negócio não foi para a frente e ficou um espaço meio deserto.

Com isso, a Caixa ficou com um monte de Cepacs na mão, e alguém precisava comprar aquilo para fazer empreendimentos. 

O que a gente viu de oportunidade lá? A gente passava lá perto e via que a área tinha vocação para se tornar uma área residencial de classe média. Ficamos três anos, de 2016 para 2019, convencendo a Caixa de que o sonho da ‘Manhattan Carioca’ acabou, e que eles precisavam baixar o preço das Cepacs para viabilizar os residenciais. 

No ano passado, a gente finalmente conseguiu lançar o primeiro empreendimento residencial lá, e ele saiu a R$ 6.300 o metro quadrado. De lá para cá, já lançamos cinco empreendimentos – todos com preços maiores. Foi R$ 6.300 o primeiro; R$ 7.000 o segundo; R$ 7.500 o terceiro; R$ 8.000 o quarto; e há um mês lançamos mais um, a R$ 9.000 o metro quadrado.

E tá tudo vendendo?

Tudo vendendo. E em um ano pulamos de R$ 6.300 para R$ 9.000 o metro quadrado! E o mais interessante é essa reurbanização que está acontecendo lá… Tem outras construtoras fazendo empreendimentos lá também. Provavelmente a Caixa não vai recuperar os R$ 5 bilhões, mas [pelo menos] não vai ficar um deserto na região.

Como é a divisão do VGV de vocês hoje? Quanto vem do Rio e quanto de São Paulo?

Uns 35% vem do Rio, o resto de São Paulo. 

E qual dos dois mercados está melhor hoje?

Olha, tem algumas peculiaridades. O Rio tem muito menos concorrência que São Paulo. Não tem essa robustez do mercado de São Paulo que, quando você acerta um produto, você zera [as vendas] muito rápido… Tem uma força de venda muito forte em São Paulo que não tem no Rio. 

Por outro lado, São Paulo para você comprar terreno é mais difícil. Ou, se você lança um empreendimento num lugar, vai ter sempre 3, 4 caras vendendo por perto. 

No Rio, não. É mais difícil você ter um empreendimento que você vai zerar tão rápido a venda, mas por outro lado não tem 10 caras vendendo empreendimentos do seu lado.

A inflação afetou a margem bruta de vocês no último ano? Vocês tiveram algum impacto na rentabilidade?

Justamente porque estamos conseguindo repassar bem os preços, conseguimos equilibrar o negócio e manter as margens estáveis. A margem bruta nem chegou a cair, não tivemos nenhum trimestre em que a margem bruta caiu.

Vocês estão passando muito melhor esse momento do que concorrentes então…

Muito melhor. Na MRV, por exemplo, a margem despencou. A nossa margem sempre ficou entre 36% e 37% e nosso objetivo desde o começo era até tentar ganhar margem bruta… 

Como você está vendo o mercado para frente? Nos últimos trimestres, parece que tem havido uma oferta muito grande de novos empreendimentos. O mercado pode dar uma desacelerada no ano que vem?

No meu mercado não. Teve muita oferta, principalmente no ano passado, mas do pessoal de renda média e alta. No média e alta teve sim muita oferta e esse pessoal está com um pouco de problema de estoque agora. 

Mas o nosso mercado, principalmente esse nicho que a gente está (da faixa 3 em São Paulo e Rio), não teve tanta oferta. Estamos com o estoque extremamente saudável, e os nossos pares também. Estou vendo um mercado muito saudável.

O único ponto de atenção, na minha visão, é a eleição. No primeiro semestre, já entregamos quase dois terços do VGV que projetamos para o ano justamente por isso. Acho que é um cenário que pode dar uma atrapalhada. 

Mas você acha que as pessoas vão segurar a compra de um imóvel por conta da eleição?

É um momento tenso. Aparece um dossiê pra cá, uma briga para lá, e a pessoa fica tensa… Porque a compra de imóvel, ainda mais de um imóvel do meu valor, é a decisão da vida da pessoa. Se o cara vê na televisão alguma notícia forte do País, ele pára para pensar e segura aquela decisão.

Então pra que eu vou lançar um empreendimento num momento tenso do País? Calma… No dia seguinte que o Lula for eleito, ou o Bolsonaro reeleito, não vai mudar nada. Mas não tem porque lançar empreendimento no meio da incerteza.

Neste terceiro tri, vocês estão lançando, mas no quarto vão parar então?

O quarto tri começa em outubro, bem no início da eleição. Então o mês de outubro vamos dar uma parada, vai ser bem fraco mesmo, e em setembro também devemos dar uma parada mais no final do mês. Mas em novembro já devemos voltar com os lançamentos. 

Como vocês estão vendo as mudanças no programa Casa Verde Amarela? Qual vai ser o impacto especificamente na faixa de vocês?

É extremamente positivo para a gente. As mudanças que já estão em vigor – como a diminuição das taxas de juros do Pró-Cotista – são muito boas. Elas baixaram de 8,6% para 7,6%, e isso dá uma capacidade de renda muito boa. E o aumento da renda-limite da faixa 3, que passou de R$ 7 mil para R$ 8 mil, também aumenta o nosso mercado endereçável. 

E tem a segunda parte, que falta o Presidente sancionar, que é a lei do Microcrédito, que traz mais duas medidas muito boas. Vai ter o aumento do prazo do financiamento de 30 para 35 anos, que significa um aumento de 7% na capacidade de crédito. E tem o consignado FGTS, que permite usar o pagamento do FGTS mensal no pagamento da parcela do financiamento. 

Essas duas medidas aumentam a capacidade do comprador que entra no meu plantão de vendas em 15%. Então, para a venda isso é muito bom. Isso turbina bastante. O cara que tem hoje capacidade de R$ 150 mil no dia seguinte vai ter R$ 30 mil a mais de capacidade de crédito.

Como está sua cabeça em termos de expansão, olhando mais para o médio prazo? Vocês pensam em sair do ‘Casa Verde Amarela’ um dia? Ou a ideia é continuar crescendo fazendo ‘mais do mesmo’?

A Cury é uma grande operadora de produtos econômicos. Hoje o mercado das faixas 3 e 4 está muito bom. Mas vamos supor que a esquerda vença, o Lula vença… Eu tenho certeza que ele vai turbinar as faixas mais baixas. E aí a gente vai voltar para lá, te garanto que vamos voltar para lá, que é de onde a gente veio. 

Daqui um ano vamos estar conversando e eu vou falar para você que estamos felizes da vida fazendo faixa 1 e 2 de novo. Porque é isso que minha empresa é: um operador de produto econômico. 

Mas um dia a Cury vai fazer produtos de alta renda? Não. Isso eu nunca vejo acontecendo. Até porque não tem crédito associativo para a alta renda. O pessoal de alta renda não vai gostar de pagar juros durante a obra… (risos).