“Meu trabalho é um trabalho de compartilhamento. Como um caso de amor ou uma religião,” definiu certa vez o estilista Alessandro Michele, que esta semana se tornou o novo diretor criativo da Valentino.
Michele substitui Pierpaolo Piccioli, que está deixando a empresa depois de 25 anos, e começa a dar expediente no Palazzo Mignanelli – o QG da marca em Roma – a partir de 2 de abril.
“É uma enorme honra ser recebido na Maison Valentino”, postou o estilista no Instagram. “Sinto uma imensa alegria e uma enorme responsabilidade ao ingressar em uma maison de couture que imprimiu a palavra ‘beleza’ em uma história coletiva feita de refinamento e extrema elegância”.
A dança das cadeiras foi mais rápida que de costume no setor. Junto ao anúncio da nova direção criativa, a maison informou que irá pular as semanas de moda masculina e da alta costura, marcando a estreia de Michele para a temporada primavera/verão 2025, em setembro, em Paris – no que deve se tornar o desfile mais concorrido das coleções de prêt-à-porter.
Fundada em 1960 por Valentino Garavani e seu sócio Giancarlo Giammetti, que se aposentaram 48 anos depois, hoje a maison Valentino pertence ao Mayhoola – um fundo da família real do Catar que também controla a Balmain e a marca italiana Pal Zileri – e ao conglomerado Kering, que comprou 30% da Valentino no ano passado e também controla a Gucci.
Alessandro Michele nasceu em Roma em 1972, filho de um técnico da Alitalia e da assistente de um executivo da então relevante indústria do cinema italiano. Cresceu em um ambiente com grande influência de arte e estudou na Academia di Costumi e di Moda em Roma.
No trabalho, seu primeiro big break foi na Fendi, onde entrou em 1997 contratado por Karl Lagerfeld e Silvia Venturini, e logo se tornou o designer responsável por acessórios e ítens de couro.
Em 2002, Tom Ford, à época diretor criativo da Gucci, o recrutou para trabalhar em Londres como designer de bolsas. Depois de nove anos, foi promovido a diretor criativo assistente da substituta de Ford, Frida Giannini, com quem já havia trabalhado na Fendi.
Mas a consagração veio em 2015, quando o Kering o escolheu como diretor criativo. Conhecido como a “Nova Gucci,” o trabalho de Michele foi definido como “intelectual, romântico e andrógino”.
Sob a direção criativa de Michele, a Gucci teve o maior crescimento de sua história, superando a Louis Vuitton como a marca de luxo mais consumida no mundo.
Entre outras sacadas, Michele reintroduziu o logotipo com os Gs duplicados – hoje uma presença quase onipresente na cultura pop – e criou o slogan “Meu corpo minhas escolhas,” ecoando a luta pela continuação do direito feminino ao aborto na Itália. Michele também vestiu de Gucci as turnês de astros como Elton John e Björk, e baniu o uso de peles e couro animal.
Tudo isso levou a um aumento de cerca de 50% nas vendas. De quebra, Michele levou os prêmios de Designer do Ano (2015 e 2016) dos Conselhos de Moda britânico e americano.
Em 2017, a Gucci passou a atrair uma nova geração para o mercado de luxo – mais do que marcas com o mesmo propósito, como Balenciaga, Vêtements e Off-White. “Com paixão, imaginação, engenhosidade e cultura, ele colocou a Gucci no centro do palco”, saudou o chefe da Kering, François-Henri Pinault.
Mas afinal, no que consiste o estilo de Alessandro Michele?
Ele apresenta uma estética que mistura fluidez de gênero, imagens bucólicas e maximalismo, com toques de estranhamento, ironia e humor. A ideia é atingir um consumidor mais jovem, nada conservador e que busca novas formas de pertencimento e novas tribos de estilo.
Casado com o professor de urbanismo Giovani Attili, Michele diz que prefere trabalhar em casa, porque é onde se sente mais poderoso. “E porque trabalho de um jeito meio maluco, unindo diferentes inspirações que vão da fotografia, passando pelo cinema e pinturas antigas.”
Ele diz que se considera mais um arqueólogo do que um estilista e, ao mesmo tempo, é um contemporâneo por explorar as contradições entre passado e presente: “O futuro ainda não existe.”