O Federal Reserve e o Banco Central Europeu deveriam desacelerar o ritmo de aperto nos juros. É preciso ter uma tolerância transitória com a inflação até que a economia global reencontre seu equilíbrio depois dos choques recentes.
Quem faz a análise é a economista italiana Lucrezia Reichlin, que foi diretora-geral de pesquisa do BCE entre 2005 e 2008 e hoje é professora na London Business School.
“O Fed e o BCE deveriam explicar ao público que, embora continuem comprometidos em voltar à meta, faz sentido ter uma certa tolerância com a inflação,” Lucrezia disse ao Brazil Journal. “Voltar para 2% rapidamente implica muito desemprego.”
A crise bancária poderá fazer os bancos centrais revisarem o ritmo do aperto. Mas segundo Lucrezia, existem instrumentos específicos para lidar com a instabilidade financeira.
Especialista em política monetária e séries temporais, a economista, ao lado do colega italiano Domenico Giannone, ex-Fed e hoje economista da Amazon, fundou a Now-Casting, uma consultoria especializada na análise em tempo real de dados de alta frequência.
Na conversa com o Brazil Journal, Lucrezia também compartilha suas impressões sobre o governo de Giorgia Meloni.
Em sua opinião, o Fed e o BCE estão sendo agressivos demais na alta dos juros, mas a inflação corrente e as expectativas continuam elevadas, bem acima da meta de 2%. Como os BCs podem lidar com a inflação sem desencadear uma recessão e, ao mesmo tempo, sem perder a credibilidade?
É obviamente um problema muito difícil. Mas se olharmos para a história, mesmo quando saímos da grande inflação dos anos 1970 – e fizemos isso provocando uma forte recessão – a inflação permaneceu entre 3% e 4% por muito tempo. O objetivo não era voltar ao tipo de inflação dos anos 1950 ou do início dos anos 60.
Especialmente quando a inflação é inicialmente gerada por choques nos termos de troca ou choques de energia, como é o caso da Europa em particular, a dinâmica de preços cria inércia e exige que a economia se estabilize em um novo equilíbrio. Por essa razão, faz sentido aceitar uma inflação um pouco mais elevada e acima do alvo.
Tanto o Fed quanto o BCE ampliaram o horizonte no qual poderão atingir os 2%. Eles deveriam usar essa flexibilidade para explicar ao público que, embora continuem comprometidos em voltar à meta, faz sentido ter uma certa tolerância com a inflação. Isso é particularmente relevante por causa da rigidez dos salários reais. Voltar para 2% rapidamente implica muito desemprego.
É necessário algum tempo para que as mudanças nos preços relativos sejam acomodadas pela economia. Parece ser melhor ter um pouco mais de inflação por algum tempo.
Os bancos centrais precisam comunicar isso de forma eficaz ao público, ou seja, dizer que o custo de uma inflação de 4% não é tão grande quando se compara com o elevado custo de um aumento expressivo no desemprego. Mas claro, desde que a inflação permaneça estável – e isso depende das expectativas.
A crise bancária reforça a sua visão de que o Fed e o BCE deveriam reconsiderar o ritmo do aperto monetário?
Os bancos centrais possuem instrumentos diferentes para lidar com política monetária e com instabilidade financeira. Em princípio, é possível continuar o aperto monetário para reduzir a inflação e ao mesmo tempo implementar políticas de liquidez para perseguir a estabilidade financeira, como fez o Fed.
Entretanto, se a crise financeira se aprofundar, então terá efeito relevante sobre a atividade e também para a inflação. Aí poderá haver um risco de o aperto monetário se mostrar excessivo.
Com relação à quebra do Silicon Valley Bank, acredita que houve falha de regulação?
Foi mais uma falha de supervisão. Isso mostra que mesmo bancos que supostamente não sejam de importância sistêmica podem levar a um contágio. O episódio levanta questões a respeito da arquitetura de supervisão construída após a crise financeira global.
Alguns economistas renomados defendem uma mudança na meta: aumentá-la para 3%. É uma boa ideia?
Existem razões para acreditar que a meta de 2% seja muito baixa. Porém, mudar a meta em meio a um surto de inflação não seria bom. Por motivos de comunicação. Então, defendo neste momento uma maior flexibilidade em termos de horizonte de convergência da inflação.
Pensando mais a longo prazo, deve haver uma maneira de comunicar ao público que a meta será revisada ocasionalmente. Mas não agora, com a inflação em alta. Será melhor fazer o ajuste quando a inflação estiver baixa e anunciando previamente uma data para essa avaliação.
Olhando mais à frente, devemos nos acostumar com níveis mais elevados de inflação?
Muito depende de para onde irá o PIB potencial e, de muitas maneiras, isso depende da política econômica.
Um dos argumentos que suportam a ideia de que a inflação permanecerá mais elevada é que o desemprego está muito baixo, o que é verdade.
Mas isso não significa necessariamente que a economia esteja acima de seu potencial. Houve um declínio na oferta de mão de obra, então temos um menor percentual de pessoas desempregadas. Tivemos um declínio na participação da força de trabalho. Ainda não entendemos ao certo por que isso aconteceu.
Mas é possível que, se a economia permanecer em pleno emprego por mais tempo, essas pessoas reingressem no mercado de trabalho. Não acho que olhar para a taxa de desemprego hoje seja uma boa maneira de ver onde estamos em relação ao PIB potencial.
Quais são suas impressões sobre o governo de Giorgia Meloni? Ela está mantendo as reformas iniciadas por Mario Draghi?
Do ponto de vista econômico, o governo não tem muita flexibilidade, porque estamos recebendo muito dinheiro da Comissão Europeia e nos comprometemos a fazer uma série de reformas.
A Itália é um país altamente endividado, e este governo entendeu que deve continuar com uma trajetória fiscal razoável. De certa forma, há continuidade em relação à administração Draghi.
Mas o governo reduziu drasticamente o apoio de renda aos mais pobres, o que é um ponto de preocupação. Prometeram uma nova política para ajudar as famílias de baixa renda e os desempregados, mas até agora só vimos enxugamento nas despesas sociais.
Onde espero que eles sejam mais ativos é na política cultural e no combate à imigração. Mas, na economia, como a Itália faz parte da união monetária e é um país altamente endividado, não vejo muita flexibilidade.
A grande questão é o que acontecerá em 2024, quando ocorrerá a eleição do Parlamento Europeu. Será importante vemos com Meloni e seus aliados vão se articular com as outras forças de direita na Europa. Se a direita vencer em 2024, poderemos ver mudanças significativas em áreas como a política climática. Seria a primeira vez na história que a Comissão Europeia seria governada por uma coalizão de centro-direita.