Os programas de fidelidade estão perdendo poder de barganha para os bancos, seus maiores clientes, colocando em risco a rentabilidade da Multiplus, a líder deste mercado, e de sua maior concorrente, a Smiles.Multiplus

Em maio, o Banco do Brasil e o Bradesco, que já são sócios na Cielo, anunciaram a criação da Livelo, uma joint venture para explorar o mercado de fidelidade. A empresa ainda precisa de autorização do CADE para começar a operar.

Participantes do mercado de fidelidade dizem que a Livelo já sinalizou para Multiplus e Smiles que buscará uma mudança drástica na forma como as empresas de fidelidade faturam.

No modelo tradicional, que vigora hoje, os bancos pagam pelos pontos assim que o cliente solicita a transferência de pontos para os programas da Multiplus e da Smiles. Grande parte do resultado dessas empresas vem da aplicação financeira deste caixa, uma vez que o cliente demora de seis a oito meses para resgatar uma passagem aérea. Se o cliente acaba não usando os pontos e estes expiram, o lucro fica com as empresas de fidelidade.

SmilesEsses pontos expirados são chamados de breakage no jargão do setor. Quanto mais pontos expiram sem ser usados, maior o breakage. O breakage é importante para as empresas do setor porque ele tem uma margem de lucro líquida de 100%, já que se trata de uma receita sem nenhum custo associado.

No novo modelo que a Livelo pretende propor — e que já vigora, por exemplo, no relacionamento do Banco do Brasil com a Dotz — o banco paga à empresa de fidelidade uma pequena taxa de emissão (que apenas cobre os custos da empresa). Depois disso, o banco desembolsa mais caixa (uma ‘taxa de resgate’) apenas quando e se o cliente resgatar os pontos.

Assim, no ‘modelo Dotz’, os bancos não apenas se apropriam dos ganhos do breakage (já que pontos expirados não geram taxa de resgate), como também se apropriam do floating, o ganho financeiro que as empresas de fidelidade têm hoje ao aplicar o caixa que recebem à vista na emissão de pontos.

“Se esse modelo pegar, ele vai arrebentar o modelo de negócios das empresas de fidelidade,” diz um analista que acompanha o setor.

Os bancos são responsáveis por cerca de 90% da receita operacional da Multiplus, por exemplo.

Não seria a primeira vez que o modelo de negócios da Multiplus e da Smiles sofre o baque de uma queda de braço com os bancos. No ano passado, para baratear seu custo, o Itaú Unibanco introduziu um deflator de 20% na transferência de pontos para os programas de fidelidade. Na estimativa de analistas, a medida economizou 120 milhões de reais por ano para o banco.

Nada sugere que Multiplus e Smiles vão aceitar passivamente uma mudança tão desfavorável. As empresas certamente vão argumentar que têm, como trunfo, as companhias aéreas, donas do prêmio mais cobiçado pelos usuários de programas de fidelidade: passagens aéreas. (A Multiplus é controlada pela TAM, e a Smiles, pela GOL.)

Ainda assim, “mesmo que a Multiplus e a Smiles resistam à tentativa da Livelo de implantar o novo modelo, os bancos sempre terão a opção de implantar um deflator,” diz outro analista.

Um executivo de uma empresa de fidelidade diz: “Não tenho dúvida de vai haver um aperto de negociação e os bancos vão buscar mecanismos alternativos, mas acho que não vão tentar apertar o consumidor, como o Itaú fez.”

Diz outro executivo do setor: “O poder de barganha estava na mão das empresas, não estava num ponto de equilíbrio. Esse mercado só se sustenta quando é bom para os dois lados.”

Na Bolsa, as ações das empresas de fidelidade estão vulneráveis à pressão dos bancos para redividir o bolo. As ações da Multiplus negociam a 17 vezes o lucro estimado para este ano; as da Smiles, a 20 vezes.

O CEO da Multiplus, Roberto Medeiros, disse a VEJA Mercados que a empresa ainda não teve conversas com a Livelo. “Nossa interface continua sendo com os bancos e não temos nenhum diálogo neste sentido.”

Ele diz que a empresa está preocupada em ajudar seus parceiros a aumentar a fidelidade de seus clientes. “É por isso que colocamos cada vez mais inteligência nas ofertas que fazemos aos nossos participantes. Quem coloca a pressão em cima da gente é o participante.”