Um ditado de mercado diz que “todo dia um trouxa e um esperto saem de casa; quando eles se encontram, sai negócio.”
Para o americano Morgan Housel, autor de dois best sellers sobre finanças comportamentais, é algo assim que move o mundo dos investimentos. “Se todos tivessem visão de longo prazo e um comportamento perfeito, não haveria oportunidades,” Housel disse ao Brazil Journal.
Ele viu a economia desabar em 2008 de uma posição frágil: era estagiário numa firma de private equity quando a crise explodiu. Achou que sua carreira ia terminar antes de começar.
A experiência o tornou cético (ou realista, como prefere) e obcecado em se preparar para o pior. Também influenciou a maneira como vê os investimentos. “O que busco não é maximizar meu retorno, mas a resiliência do meu patrimônio.”
Seus livros – A Psicologia Financeira e O Mesmo de Sempre – falam sobre como o comportamento das pessoas determina sua situação financeira, mais do que inteligência ou conhecimento.
Prestes a vir para São Paulo para participar do evento AGF Day, Housel deu essa entrevista de sua casa, em Seattle:
Seus livros dão exemplos de pequenas ações que, ao longo de anos, podem gerar grandes resultados, como investir um pouco todo mês. É um conselho bastante difundido, mas pouco seguido. Qual é o problema?
Não é intuitivo pensar de forma exponencial. Fazer 8+8+8+8 é fácil. Mas se eu te pedir para multiplicar esses números você provavelmente vai desistir. Muitas pessoas subestimam o quão grande um número pode ficar numa sequência exponencial.
Além disso, dizer “invista por 30 anos e você poderá ficar rico” é um bom conselho. Só que é difícil de seguir se você está preocupado em como pagar o aluguel. As pessoas podem até achar que sentido. Mas uma coisa é entender o conceito, outra é tomar ações e fazer algum sacrifício para colocá-lo em prática.
Educação financeira ajuda?
Ajuda a entender a matemática e a mecânica de investir. No entanto, escolas e livros não mudam o comportamento.
As pessoas já nascem com certas características e, ao longo da vida, são influenciadas por suas experiências. Elas podem aprender como investir. Mas não se ensina comportamento, não se ensina a ser mais paciente, por exemplo. E paciência faz diferença num planejamento de longo prazo.
Não é uma visão muito pessimista? Algumas pessoas simplesmente não vão conseguir ter estabilidade financeira?
Diria que é realista – e existe um viés positivo nisso. O mercado de ações gera bons retornos ao longo do tempo porque muitas pessoas não têm visão de longo prazo e não mantêm seus investimentos.
Vendem na baixa e compram na alta, e isso cria oportunidades para aqueles que podem ficar no mercado. Se todos tivessem visão de longo prazo e um comportamento perfeito, não haveria oportunidades.
Você diz que é mais fácil fazer previsões baseadas no comportamento humano do que tentar projetar dados econômicos. É assim que um investidor bate o mercado?
Há pouquíssimos investidores inteligentes o suficiente para criar fórmulas e estratégias capazes de bater o mercado com consistência. Jim Simons e Steve Cohen são alguns deles, e tiveram sucesso por serem brilhantes.
Outro grupo maior, mas ainda pequeno, é formado por aqueles que conseguem ler as emoções e antecipar o comportamento das pessoas. Assim, conseguem ser otimistas quando todos estão pessimistas e o contrário. É muito raro. Muitos tentam fazer isso porque parece fácil, mas a maioria não consegue.
Então como ter sucesso investindo?
Primeiro, é preciso se conhecer. Não leia sobre o que os outros estão fazendo ou sobre estratégias que funcionam para todos. Cada um precisa definir seus objetivos e combinar um plano com a família, quando for o caso, porque vocês estarão juntos nessa jornada.
Além disso, todos precisam se perguntar por que querem ter dinheiro. Parece uma pergunta boba, porque você pode responder simplesmente: porque quero ter uma vida melhor. Mas há nuances.
Faz diferença querer ser rico para comprar um carrão e impressionar os outros, para ter independência financeira ou para dar uma vida melhor para os filhos. Entender a motivação ajuda a determinar como economizar e investir.
Você também diz: economize como um pessimista e invista como um otimista. Não é arriscado ser otimista ao investir?
É preciso olhar as duas partes dessa frase em conjunto. Acredito em economizar como um pessimista para se proteger dos perigos que podem surgir ao longo dos anos: perda de emprego, doença, divórcio, recessão, pandemia, guerra, bear market, instabilidade política.
Quem consegue sobreviver a tudo isso pode investir como um otimista.
Não é contradição acreditar que, em 30 ou 40 anos, o mundo estará melhor para a grande maioria das pessoas. Acho que estaremos mais ricos, mais saudáveis e mais felizes.
Mas, com igual confiança, pode dizer que haverá dificuldades no caminho. Por isso, meu conselho é ser pessimista com o curto prazo e otimista com o futuro.
Como você investe seu patrimônio?
É bem simples e não mudou muito ao longo dos anos. Meu patrimônio é formado pela minha casa, dinheiro, fundos indexados e ações da Markel (grupo financeiro cujo principal negócio é uma seguradora), do qual faço parte do conselho de administração.
Pretendo continuar com essa estratégia mesmo se minha renda aumentar muito. O que busco não é maximizar meu retorno, mas a resiliência do meu patrimônio.
Quero ser capaz de sobreviver financeiramente ao que o mundo jogar em cima de mim. Quanto mais simples forem meus investimentos, menos decisões tenho de tomar, o que me torna mais resistente.
Você prefere fundos indexados porque não confia em gestores?
Existem pessoas inteligentes que vão conseguir bater o mercado ao longo do tempo. A questão é: se eu investir com elas, isso vai tornar minhas finanças mais resistentes? Não sei.
Posso abrir mão da possibilidade de retornos maiores para ter paz de espírito e simplicidade. Há pessoas que não conseguem dormir à noite a não ser que saibam que estão fazendo de tudo para conseguir bons rendimentos. Não é o meu caso.
O que penso nessa área não se aplica a todos, mas quero usar meu dinheiro para ter uma vida melhor e poder colocar meus filhos para dormir sabendo que eles têm segurança e estabilidade financeira.
Você começou sua carreira na crise de 2008. A maneira como pensa é fruto dessa vivência?
Todo mundo é um espelho de suas experiências passadas, ainda mais se foram assustadoras. Para a minha geração, a crise teve um impacto enorme. No meu caso, influenciou não apenas como vejo a economia e o mercado financeiro, mas como penso minha carreira.
Quando comecei, não tinha grande confiança em mim ou na minha capacidade de gerar valor para as empresas. O desemprego estava muito alto, então eu achava que poderia ser demitido a qualquer momento.
Tudo isso teve um grande impacto em mim e em como gerencio meu dinheiro. E funciona como um lembrete permanente da ideia de que o mundo é muito frágil. As pessoas devem saber que tudo o que têm pode ser tirado delas muito rapidamente.
É um pensamento assustador, mas ao mesmo tempo realista, porque é como o mundo funciona. Se eu tivesse nascido cinco anos antes ou cinco anos depois, talvez pensasse diferente.