As ações americanas tiveram um pequeno rali impulsionadas pela expectativa de que o Federal Reserve em breve vai parar de subir a taxa de juros.
Mas para a BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, a cautela ainda é a palavra de ordem.
A empresa, que tem US$ 10 trilhões sob administração, considera prematuro decretar que a alta inflacionária tenha ficado para trás. Além disso, espera uma deterioração no lucro das empresas.
“Ainda estamos cautelosos com o investimento em ações porque gostaríamos de ver uma confirmação da queda na inflação,” o estrategista-chefe de investimentos na América Latina da BlackRock, Axel Christensen, disse ao Brazil Journal. “Mas cautela não significa falta de ação. Estamos olhando para setores mais protegidos contra a inflação, porque são capazes de proteger suas margens de lucro. É o caso, por exemplo, das commodities.”
Com relação ao Brasil, Christensen elogia a ação do Banco Central, mas ressalta que a trajetória de esperada queda dos juros dependerá da política fiscal do próximo governo. “Dependendo do que acontecer no lado dos gastos públicos, o BC poderá ou não cortar os juros mais rapidamente no próximo ano.”
Christen, que é chileno, comentou também as propostas de aumento de impostos para financiar a expansão de gastos sociais por governos de esquerda recém-eleitos na região. “É preciso ter cuidado. Não é um almoço grátis,” disse. “Essas reformas geralmente acabam gerando muito menos dinheiro do que o planejado, devido ao impacto sobre o crescimento.”
A ameaça inflacionária ficou para trás?
Temos uma tensão na economia mundial entre a inflação e o crescimento. Os mercados estão se digladiando com essa tensão, não há um caminho claro.
Já tivemos o pico da inflação? Talvez em algumas partes do mundo. O Brasil provavelmente seja um bom exemplo, com três meses de retração na alta dos preços. Vemos um alívio. Nos Estados Unidos, a desaceleração não é ainda tão evidente. Alguns componentes do índice de preços continuam bastante pressionados.
No caso da Europa, há o aumento nos preços da energia. É improvável que a inflação comece a atingir o pico tão cedo por lá. Portanto, é um quadro misto em todo o mundo.
Isso torna mais difícil ter clareza sobre o cenário global. Não temos sincronia.
Por isso a BlackRock mantém a cautela com relação às ações?
Ainda estamos cautelosos com o investimento em ações porque gostaríamos de ver uma confirmação da queda na inflação. Nos Estados Unidos, ainda estamos longe da meta do Federal Reserve, que é de 2%. O Fed ainda tem um longo caminho a percorrer, em termos de alta de juros.
Então, sim, estamos cautelosos. Mas cautela não significa falta de ação. Estamos olhando para setores mais protegidos contra a inflação, porque são capazes de proteger suas margens de lucro.
Alguns setores se saem melhor nesse contexto. É o caso das commodities. Podemos selecionar empresas mais bem preparadas para resistir a um ambiente de inflação mais alta.
Desse ponto de vista, é um cenário positivo, portanto, para as ações do Brasil e de outros países da América Latina?
A América Latina pode sim se beneficiar desse aumento dos preços das commodities, mas isso é apenas metade da história. Mas outros ativos são mais diretamente impactados pela situação da economia local, pela demanda interna.
Empresas de mineração e de energia, bem como as de soft commodities, como alimentos e celulose, estão indo bem. Mas, por causa da situação da inflação e dos juros em alta, setores como o imobiliário e o varejo enfrentam mais dificuldades.
Grande parte da recuperação pós-pandemia foi baseada no dinheiro distribuído pelo governo, mas esse fluxo de dinheiro está começando a diminuir. O consumo deverá esfriar.
São duas histórias distintas. Uma situação melhor para os exportadores de commodities, mas um quadro muito mais fraco para as empresas com foco doméstico.
Os produtores de commodities não empregam tantas pessoas. Dessa maneira, os números do desemprego podem começar a se tornar uma preocupação maior nos próximos meses.
O FMI prevê dias difíceis para os países da América Latina. Dificilmente sairão ilesos de uma retração da economia mundial. O Brasil poderá entrar em recessão no próximo ano?
Certamente é um risco. Um ponto importante será observar até onde vão os juros. O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a iniciar o aperto monetário. A taxa estava num patamar muito baixo, em 2%, e agora está em 13,75%. Talvez tenha atingido o pico, veremos na reunião do Copom em setembro.
Olhando para frente, o essencial agora será por quanto tempo a taxa permanecerá nesse nível e com que rapidez o BC cortará os juros. Assim poderemos avaliar com mais precisão se o Brasil terá uma recessão ou conseguirá evitá-la.
Haverá um novo governo eleito, e será muito importante sabermos qual será a política fiscal. Dependendo do que acontecer no lado dos gastos públicos, o BC poderá ou não cortar os juros mais rapidamente no próximo ano.
No Chile e na Colômbia, os novos governos de esquerda tentam aprovar o aumento de impostos para ampliar os gastos sociais. O mesmo poderá ocorrer no Brasil. Como isso poderá impactar os investimentos nesses países?
Muitos dos governos na América Latina de fato se comprometeram em ampliar os gastos sociais. Há dois caminhos para fazer isso. Ou aumentam a dívida pública, e aí a consequência será uma crise, ou buscam elevar a receita tributária.
Aumentar os impostos é algo mais responsável do que simplesmente sair gastando, mas isso não quer dizer que isso tenha consequências. A alta na carga de tributos vai impactar no crescimento, sobretudo porque poderá reduzir os investimentos.
Na Black Rock, quando olhamos para a América Latina, nossa maior preocupação para o longo prazo é o baixo crescimento econômico. O principal motivo para o ritmo lento é a falta de produtividade.
Portanto, é necessário ter muito cuidado com o aumento de impostos. Não é um almoço grátis. Essas reformas geralmente acabam gerando muito menos dinheiro do que o planejado, devido ao impacto sobre o crescimento.
Muitas das demandas sociais são compreensíveis e corretas. Abordam uma questão extremamente importante em nossa região, que é o alto grau de desigualdade. Isso dá respaldo político para os governantes ampliarem os investimentos sociais. Mas eles também precisam pensar em como fazer isso de maneira equilibrada.
Para crescer o bolo da renda, é preciso haver ganho de produtividade. Se o crescimento é baixo, torna-se um jogo de soma zero. Se o bolo crescer mais rápido, cada um poderá ter uma fatia maior, com menos tensões sociais. Foi o crescimento econômico que permitiu aos países tirarem pessoas da pobreza.
As reformas tributárias geralmente acabam gerando muito menos dinheiro do que o planejado, devido ao impacto sobre o crescimento.
No dia 4 de setembro, os chilenos vão às urnas para decidirem se aprovam ou não a nova Constituição para o país. As pesquisas indicam rejeição. O que esperar depois da decisão?
Se o texto for aprovado, será dado início a um longo processo para a negociação de dezenas de leis específicas necessárias para estruturar a nova Constituição. É um trabalho que levará anos para ser concluído. Se o texto for rejeitado, deverá ser iniciado um outro processo de reforma constitucional.
A incerteza política, portanto, não se dissipará por algum tempo, e veremos a continuidade de um ambiente cauteloso com relação aos investimentos no país.
Acompanhando há tanto tempo o Brasil, o México e a Argentina, como é o meu caso, você precisa aprender a lidar com esse tipo de incerteza. O Chile era um país mais previsível, chato de cobrir. Agora ficou mais interessante.