A relação de troca proposta na fusão da BRF com a Marfrig desceu quadrada para alguns acionistas minoritários da BRF — que consideraram os termos “extremamente desfavoráveis” dado o momento das duas empresas.
“A BRF estava melhorando muito o resultado, com uma alavancagem baixa, de 1x EBITDA, e atuando num mercado [o de frango] que tem um múltiplo implícito maior que o de carne,” disse um gestor comprado na BRF. “Já a Marfrig está muito mais alavancada e gera bem menos EBITDA. Mesmo assim, eles propõem uma fusão dando um prêmio para a Marfrig em vez da BRF.”
A proposta é que as ações da BRF sejam incorporadas pela Marfrig numa relação de troca de 0,8521 ação da Marfrig para cada ação da BRF. A operação prevê ainda um pagamento de dividendos pelas duas companhias após a aprovação da transação: a Marfrig pagará R$ 2,5 bilhões, e a BRF, R$ 3,2 bilhões.
Segundo esse gestor, a BRF negocia hoje a um múltiplo EV/EBITDA de 4x — “e isso sendo conservador no EBITDA deste ano.”
Já a nova empresa combinada nasceria com um múltiplo maior, de 6x.
“É verdade que a companhia combinada seria boa e haveria sinergias tributárias. Mas a percepção de risco ficaria muito pior. Você vai ficar com um business pior, o de carne nos EUA, que está com uma margem de zero hoje, e além disso a alavancagem da empresa combinada deve ficar perto de 4x EBITDA,” disse o gestor.
Nas contas do Morgan Stanley, a transação implica um valor por ação de R$ 17,30 para os acionistas da BRF, um desconto de 16% em relação ao preço que a ação negociava ontem antes do anúncio.
Desse total, R$ 15,10 viriam da relação de troca com a Marfrig, considerando o preço da ação ex-dividendos, e outros R$ 2,20/ação viriam dos dividendos que a BRF vai distribuir.
Como parte da transação, as companhias ofereceram um direito de recesso aos acionistas que não concordarem com os termos.
O direito de recesso na BRF é de R$ 19,83 por ação. Hoje o papel negocia a R$ 20,16, com a ação caindo 2,2%.
O gestor disse que nos termos atuais o maior incentivo é pedir o direito de recesso, ou “vender a ação na Bolsa e comprar JBS.”
A Previ, que tem cerca de 6% do capital da BRF, e o Salic, o fundo soberano da Arábia Saudita que tem 11%, já disseram publicamente que apoiam a transação. Num tweet publicado hoje a tarde, o Salic chamou a fusão de transformacional e disse que ela “marca um passo adiante para construir um sistema de alimentação global mais resiliente e sustentável.”
Se todos os demais minoritários (27% do capital) optarem pelo direito de recesso, a nova companhia teria que desembolsar R$ 9,2 bilhões, o equivalente a 70% de toda a posição de caixa da BRF.
Uma fonte próxima ao controlador da Marfrig, Marcos Molina, disse ao Brazil Journal que as duas empresas estimam que o potencial máximo de pedidos de direito de recesso é de 20% do capital, já que fundos passivos na base acionária tipicamente não pedem direito de recesso e alguns acionistas também já disseram à companhia que vão ficar.
Esses 20% demandariam um desembolso de R$ 6 bilhões.
“Mas a proposta de fusão estipula que os pedidos de recesso podem ser abatidos dos dividendos a serem pagos. Então, desses R$ 6 bi a companhia pode abater os R$ 4,1 bi de dividendos, reduzindo o desembolso para R$ 2 bilhões, que é algo que não impediria que a transação seguisse em frente.”
Essa fonte disse ainda que a relação de troca foi negociada com base no valuation feito pelos comitês independentes das duas empresas e que depois ela foi validada por uma fairness opinion do Citi, contratado pelo conselho da BRF.
Por fim, a fonte disse que apesar da Marfrig estar passando por um ciclo ruim nos EUA, o valuation considerou as margens históricas da companhia nessa operação. “A margem da National Beef está perto de zero hoje, mas não vai ficar assim para sempre.”
Para um banqueiro de investimentos não envolvido na operação, o ajuste de preço nos papéis no pregão de hoje — com a alta de mais de 18% na Marfrig — vai desincentivar o exercício do direito de recesso, se o preço se mantiver nesse patamar nos próximos 60 dias.
“Com o preço da ação da Marfrig onde está agora, o valor que o acionista da BRF receberia na troca já está maior que o direito de recesso,” disse o banqueiro. “As pessoas vão preferir pegar a ação da nova empresa.”