Nessa época, relatórios com as previsões para o próximo ano começam a chover no inbox.

Nossa fixação em prever o futuro é compreensível, baseada inclusive em um princípio evolucionário básico: nāo ser capaz de antecipar de onde vem nossa próxima refeiçāo (ou predador) significava uma vida mais curta e uma menor probabilidade de passar nossa linhagem genética adiante.

As mais variadas técnicas (ou tecnologias) foram – e ainda sāo –  empregadas: do Oráculo de Delphos à leitura das entranhas de animais aos modelos de redes neurais de hoje (que pelo menos têm o mérito de ser mais ESG do que as técnicas anteriores).

A verdade é que o futuro é desconhecido, com um componente grande de aleatoriedade. Quanto mais cedo reconhecemos isso, melhor estaremos preparados para o que está por vir.

Uma coisa é certa: em maior ou menor grau seremos surpresos por vários eventos.

Uma característica salta imediatamente aos olhos quando analisamos aquela pilha de relatórios digitais: o foco no macro. A tentativa inglória de prever inflação, PIB, juros, câmbio.

No Brasil, tal qual em países de economia mais volátil, esse foco é mais que compreensível. Qualquer modelo minimamente razoável vai nos mostrar que o “risco Brasil” é o fator dominante nos portfólios locais. E quer saber? Em 2022, com a eleiçāo presidencial, isso muito provavelmente será verdade mais uma vez.

Por outro lado, nossa capacidade de antecipar mudanças macro é reconhecidamente limitada. Não podemos esquecer que a economia se comporta como um sistema adaptativo complexo, com muitas características não lineares e algumas vezes caóticas (no sentido matemático da palavra).

Dessa forma, nossos modelos são meras reduções incompletas de uma realidade intrincada.

No triunfo da esperança sobre a experiência, vamos aqui nos juntar à pilha digital, mas com um foco diferente: o que podemos falar sobre as mudanças microeconômicas em curso, e o que esperar para 2022 e depois?

Com o benefício da perspectiva histórica, sabemos que toda crise age como catalisador de avanços tecnológicos, ou como diziam nossos avós: “a necessidade é a mãe da invenção.”

A de 2020 colocou mudanças que já estavam em curso em hipervelocidade, e criamos soluções novas para problemas antigos. O avanço do chamado “PIB digital” nos permitiu gerar atividade econômica mesmo quando as medidas de restrição à circulação ainda eram severas.

O comércio eletrônico, por exemplo, avançou em 18 meses o que levaria quase uma década.

Os investimentos em logística e infraestrutura de transmissão de dados foram feitos, o que significa que não voltaremos ao padrão de uma economia pré-covid. Além disso, o avanço na infraestrutura digital foi acompanhado de mudanças regulatórias que tornaram uma série de atividades possíveis: basta pensar na telemedicina ou no EAD.

Tampouco nos parece provável que o avanço de bens digitais em nossa cesta de consumo seja revertido.

Do lado competitivo, MUITO está mudando. As empresas estão aprendendo que dados e informação são um insumo extremamente valioso (talvez o mais valioso) na função de produção. A velocidade de mudança está acelerando, e a obsolescência corporativa acontece num ritmo nunca visto.

Parafraseando Jack Welch, o lendário CEO da GE: “se a mudança do lado de fora for mais rápida do que a do lado de dentro, o fim está próximo.”

A tecnologia age como uma grande destruidora de barreiras à entrada. Logística, escala, marketing – antes considerados grandes vantagens competitivas – hoje podem ser terceirizados para grandes plataformas como a Amazon. Vemos a atomização da economia, e uma diminuição da escala ótima de produção.

Líderes inquestionáveis por décadas perdem para empresas diminutas e recém criadas, mas que possuem um entendimento superior de seus consumidores. Como bem colocou o mestre Nizan Guanaes, “o dilema não é como David enfrenta Golias, mas como Golias enfrenta David.”

Para complicar, a tecnologia torna as linhas entre setores menos claras, e a competição vem de onde menos se espera. Vemos empresas como a Amazon avançar em áreas desde produtos de consumo a computação em nuvem, e o Alibaba liderando em produtos financeiros.

Como se preparar para uma batalha sem saber quem será seu inimigo futuro? Esse é um dos dilemas das empresas em 2022 e, neste caso, a “sobrevivência do mais adaptável” de Darwin pode iluminar a questão.

Segundo os professores Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson (MIT e Stanford), “entre empresas de sucesso uma mudança fundamental está acontecendo. A diminuição do foco em projeções e planos de longo prazo e apostas grandes e aumento do monitoramento de curto prazo, experimentação e testes.”

Para os economistas de plantão, estamos falando da aceleração do processo de destruição criadora de Schumpeter. E aqui vai uma previsão macro (tinha que ter pelo menos uma): a aceleração da tecnologia e da destruição criadora são normalmente associados a uma maior produtividade, então o crescimento pode surpreender no médio prazo.

A essa altura do campeonato, o leitor já deve ter percebido que isso tudo não tem a ver somente com 2022, e sim com linhas mestras, um conjunto de regras de comportamento que nos ajude a analisar e navegar esse futuro em constante mutação (sem trocadilho).

Estamos jogando um jogo em que as regras mudam a cada rodada. Se você não está confuso, é porque não entendeu o problema. Aprender constantemente é essencial.

Feliz 2022, com sucesso e, especialmente, muita saúde.

Artur Wichmann é o chief investment officer da XP Private.