Na primeira entrevista que fiz com o General Carlos Alberto dos Santos Cruz, há cerca de 10 anos, para a GloboNews, ele compareceu fardado.
O tema era o Haiti, onde o general servira entre 2006 e 2009. Depois do programa, pedi-lhe uma indicação de livro para entender melhor o que acontecia naquele país tão castigado. Ele me sugeriu “O reino deste mundo”, de Alejo Carpentier, um cubano que trabalhara com Fidel Castro nos primeiros anos da revolução.
“Opa!”, pensei. “Esse general não é igual àqueles que eu conheci na época da ditadura”.
O tema era o Haiti, onde o general servira entre 2006 e 2009. Depois do programa, pedi-lhe uma indicação de livro para entender melhor o que acontecia naquele país tão castigado. Ele me sugeriu “O reino deste mundo”, de Alejo Carpentier, um cubano que trabalhara com Fidel Castro nos primeiros anos da revolução.
“Opa!”, pensei. “Esse general não é igual àqueles que eu conheci na época da ditadura”.
Órfão aos 5 meses, com oito irmãos, Santos Cruz foi criado por parentes e sempre lutou com dificuldades até passar no concurso da Escola de Formação de Cadetes do Exército. Do pai, recebeu como herança uma estante cheia de livros, que leu compulsivamente.
De volta do Haiti, acabou não recebendo a quarta estrela de General, algo considerado certo por muitos colegas de farda. Já na reserva, foi convocado pela ONU para uma missão em que, pela primeira vez na história, as Forças de Paz adotariam um papel ativo para resolver um conflito.
A mudança de postura da ONU acontecia depois dos massacres em Ruanda e tomava por base um documento escrito pelo próprio Santos Cruz. Seu trabalho na República Democrática do Congo entre 2013 e 2015 mereceu um documentário da Al-Jazeera (disponível no Youtube) e foi muito elogiado pela ONU.
Logo que assumiu a Secretaria de Governo, em janeiro, pedi uma audiência. Eu já apresentava o Roda Viva, da TV Cultura.
Ele me recebeu em seu gabinete no Planalto e conversamos por meia hora. Saí com a promessa de que ele iria ao Roda Viva e com a certeza de que renderia um ótimo programa. Na conversa, o general demonstrou preocupação com a desigualdade no Brasil e com a corrupção. Perguntei como era no Haiti e no Congo, e ele descreveu situações inacreditáveis.
Mas para minha surpresa, sustentou: “A desigualdade no Brasil ainda é pior.”
Na saída, perguntei se ele dependia de alguma permissão para ir ao Roda Viva em São Paulo. Ele respondeu que tinha liberdade para agir como pensava e, quando não tivesse mais, pediria para sair. Como se sabe, esta liberdade de ação — quando decidiu receber ONGs e defender a liberdade de imprensa ainda como ministro — despertou a atenção do Youtuber Olavo de Carvalho e seus seguidores. Entre eles, o filho do presidente, Carlos.
O resto é história. No dia de sua despedida do cargo, Santos Cruz contou que acha normal ministro ser demitido. “Cabe ao presidente.” O que achou estranho foi a forma como tudo foi feito.
Já fora do governo, e atendendo à minha insistência, que chegava ao limite do inoportuno, aceitou finalmente comparecer ao programa. Isso foi há duas semanas. Eu já havia sido comunicado que meu contrato não seria renovado no final deste mês. Logo, queria me despedir com uma entrevista de peso, como julgo ser a de Santos Cruz.
Para meu espanto, a nova direção da TV Cultura, recém-empossada pelo Governador João Dória, não mostrou interesse pela entrevista. E não era a primeira recusa. Já haviam rejeitado dois outros nomes propostos por mim: o ex-ministro Gustavo Bebianno e o diplomata Marcos Troyjo, que havia participado do acordo do Brasil com a União Europeia e tinha reservado o dia 8 de julho para o Roda Viva. Todas as recusas foram feitas sob alegação de que não havia grande interesse jornalístico. Argumento que não resistiria nem no primeiro ano de um curso de Comunicação.
Recorri aos emails, ao telefone, aos meus contatos, numa tentativa quase desesperada de gravar o Roda Viva com o General. Consegui que isso fosse feito semana passada. Comemorei como se fosse um gol, mas logo entenderia que gravar não significa exatamente ir ao ar.
No Roda Viva da segunda-feira passada, aproveitei para convidar — ao vivo — os telespectadores a assistir a entrevista de Santos Cruz na segunda seguinte (hoje). Imediatamente, chegaram berros pelo meu ponto eletrônico, colocando meus tímpanos em risco, para que não chamasse a entrevista do General.
De volta do Haiti, acabou não recebendo a quarta estrela de General, algo considerado certo por muitos colegas de farda. Já na reserva, foi convocado pela ONU para uma missão em que, pela primeira vez na história, as Forças de Paz adotariam um papel ativo para resolver um conflito.
A mudança de postura da ONU acontecia depois dos massacres em Ruanda e tomava por base um documento escrito pelo próprio Santos Cruz. Seu trabalho na República Democrática do Congo entre 2013 e 2015 mereceu um documentário da Al-Jazeera (disponível no Youtube) e foi muito elogiado pela ONU.
Logo que assumiu a Secretaria de Governo, em janeiro, pedi uma audiência. Eu já apresentava o Roda Viva, da TV Cultura.
Ele me recebeu em seu gabinete no Planalto e conversamos por meia hora. Saí com a promessa de que ele iria ao Roda Viva e com a certeza de que renderia um ótimo programa. Na conversa, o general demonstrou preocupação com a desigualdade no Brasil e com a corrupção. Perguntei como era no Haiti e no Congo, e ele descreveu situações inacreditáveis.
Mas para minha surpresa, sustentou: “A desigualdade no Brasil ainda é pior.”
Na saída, perguntei se ele dependia de alguma permissão para ir ao Roda Viva em São Paulo. Ele respondeu que tinha liberdade para agir como pensava e, quando não tivesse mais, pediria para sair. Como se sabe, esta liberdade de ação — quando decidiu receber ONGs e defender a liberdade de imprensa ainda como ministro — despertou a atenção do Youtuber Olavo de Carvalho e seus seguidores. Entre eles, o filho do presidente, Carlos.
O resto é história. No dia de sua despedida do cargo, Santos Cruz contou que acha normal ministro ser demitido. “Cabe ao presidente.” O que achou estranho foi a forma como tudo foi feito.
Já fora do governo, e atendendo à minha insistência, que chegava ao limite do inoportuno, aceitou finalmente comparecer ao programa. Isso foi há duas semanas. Eu já havia sido comunicado que meu contrato não seria renovado no final deste mês. Logo, queria me despedir com uma entrevista de peso, como julgo ser a de Santos Cruz.
Para meu espanto, a nova direção da TV Cultura, recém-empossada pelo Governador João Dória, não mostrou interesse pela entrevista. E não era a primeira recusa. Já haviam rejeitado dois outros nomes propostos por mim: o ex-ministro Gustavo Bebianno e o diplomata Marcos Troyjo, que havia participado do acordo do Brasil com a União Europeia e tinha reservado o dia 8 de julho para o Roda Viva. Todas as recusas foram feitas sob alegação de que não havia grande interesse jornalístico. Argumento que não resistiria nem no primeiro ano de um curso de Comunicação.
Recorri aos emails, ao telefone, aos meus contatos, numa tentativa quase desesperada de gravar o Roda Viva com o General. Consegui que isso fosse feito semana passada. Comemorei como se fosse um gol, mas logo entenderia que gravar não significa exatamente ir ao ar.
No Roda Viva da segunda-feira passada, aproveitei para convidar — ao vivo — os telespectadores a assistir a entrevista de Santos Cruz na segunda seguinte (hoje). Imediatamente, chegaram berros pelo meu ponto eletrônico, colocando meus tímpanos em risco, para que não chamasse a entrevista do General.
Assim mesmo, repeti a convocação mais duas vezes, desafiando os decibéis. Para mim, ficava demonstrada a má vontade com a entrevista do general.
Hoje, em mais de 30 anos de programa, o Roda Viva, veiculado tradicionalmente por volta de 22h, deve ir ao ar à meia noite, ou seja, 0h de terça-feira.
Hoje, em mais de 30 anos de programa, o Roda Viva, veiculado tradicionalmente por volta de 22h, deve ir ao ar à meia noite, ou seja, 0h de terça-feira.
No final do programa, lá pelas 2h da madrugada, desejo boa sorte à minha colega Daniella Lima, que assumirá a cadeira de âncora.
Espero que não cortem.
Ricardo Lessa é jornalista.