É “absolutamente impressionante” o que Javier Milei fez nos últimos seis meses, Alberto Ramos, o chefe da área de pesquisa econômica para América Latina na Goldman Sachs, disse ao Brazil Journal.
“A narrativa e a discussão hoje são se o plano é sustentável. Ninguém mais diz se é possível. Ele mostrou que é possível,” disse.
Para Alberto, Milei não tem muito a perder. “É um cara obstinado. Prometeu apenas sangue, suor e lágrimas. Disse que isso vai ser difícil, vai ser muito difícil, se prepare, mas é a melhor chance que temos.”
Vai dar certo? “Existe um pequeno cínico dentro de mim que fala, ‘É a Argentina: não vai dar certo’…”
Em poucos meses, o Governo Milei fez desaparecer o déficit público na Argentina. É sustentável?
Nada na vida é sustentável se você não trabalhar para consolidar. Tudo na vida é sustentável se você investir e tiver comprometimento.
É impressionante o que o Milei fez nos últimos seis meses, é absolutamente impressionante. A narrativa e a discussão hoje são se o plano é sustentável. Ninguém mais diz se é possível. Ele mostrou que é possível.
Em dezembro se questionava muito, particularmente economistas locais, se seria possível entregar um déficit zero no primeiro ano pela rigidez do gasto, pelo poder dos governadores provinciais, pela própria dinâmica política e social, pelo fato do Milei ter uma representatividade no Congresso muito limitada.
Ele provou que é possível. Se é durável é outra questão. Já respondemos à primeira questão. É durável? Não sei. Não há nada que diga que não possa ser durável.
A questão que se discute agora é a qualidade e a durabilidade do ajuste. Ele precisa tornar esse ajuste estrutural e potencialmente melhorar a qualidade dele.
Mas quando você faz uma coisa muito rápido o objetivo principal é entregar. O que ele entregou foi notável. A Argentina tem um superávit fiscal nominal e acabou a emissão monetária. O Banco Central deixou de financiar o déficit.
O arrocho da economia gerou um superávit de conta corrente. Então os fundamentos macro da economia hoje são diferentes, tem o superávit fiscal, tem o superávit de conta corrente, tem uma agenda liberalizante da economia muito forte. Ninguém sabe qual é a capacidade de implementar essa agenda, liderada pelo Federico Sturzenegger, mas é um cara muito experiente nessa área.
Não tenho muita dúvida de que o Milei tenha a percepção correta do que é que empobreceu a Argentina nos últimos 20 ou 30 anos. Ele percebeu, acho que ele tem a avaliação correta de que as políticas que foram implementadas e as consequências dessas políticas, o diagnóstico está correto.
Também não tenho muita dúvida de que ele tenha a prescrição correta para promover a mudança de regime econômico. O que a economia precisa é de controle fiscal, reformas e liberalizar – inclusive, o mercado de câmbio, o que ele ainda não fez.
Estão no caminho certo, mas ainda há muita estrada pela frente. Acompanho a Argentina há mais de 20 anos, desde quando eu trabalhava no FMI. Foi quando a Argentina deu o mega default da dívida.
Então, já vi muita coisa. Existe um pequeno cínico dentro de mim que fala: ‘É a Argentina, não vai dar certo.’
Não é um país pobre, é um país pobremente manejado. O caminho para o sucesso ainda é muito escuro. A probabilidade de dar certo ainda parece limitada e baixa – não porque a política macro seja errada, mas por causa da restrição política, da restrição social, o fato de Milei não ter grande suporte político.
Ele hoje governa com base na sua popularidade pessoal. Se isso ceder, perderá muito de sua governabilidade.
Agora, a parte onde ele hesitou demasiadamente, no meu entender, foi na parte da repressão financeira, de controle de capitais, de controle de câmbio.
Por quê?
Acho que ele devia ter flutuado em dezembro, devia ter deixado a moeda ir em dezembro.
Mas e os efeitos de um possível overshooting da moeda, de um impacto na inflação, diante da falta de reservas?
Existe um temor exagerado.
Lembra quando o Chico Lopes abandonou a banda diagonal endógena? O que é que aconteceu? O dólar estava a R$ 1,10 e foi a quanto? Acima de R$ 4.
E o que é que aconteceu na Argentina quando quebrou a convertibilidade? O dólar foi para além de 4. Quanto tempo durou? Quatro a cinco semanas.
Existe um preço de equilíbrio. Gera um repique de inflação, pode ter até 40%, 50%, 60% no mês, mas acaba rápido.
Aí o que aconteceu na Argentina? Desvalorizaram o câmbio em 52% e fazem um crawling peg de 2% ao mês. Mas a inflação acumulada já está acima de 110%, o câmbio real ficou sobrevalorizado.
Pagaram um custo político enorme de um surto inflacionário e não resolveram o problema. Continua com o problema, com o câmbio sobrevalorizado.
Esse medo de flutuar é exagerado. Países não desaparecem do mapa. Há um deslocamento violentíssimo, mas depois ele cessa e começa a voltar.
Eu teria tido uma estratégia mais agressiva. Não quero com isso minimizar que havia riscos. Claro que havia riscos. E para mim o risco não era tanto macroeconômico, era político. Com uma inflação indo a 60% ao mês em janeiro, ele não sobreviveria politicamente. Aí é um cálculo político, não é necessariamente um cálculo econômico.
Mas eu teria uma estratégia mais agressiva, pelo menos não ir tão rápido para um crawling peg com uma inflação ainda muito alta. Acho que eles agora estão tentando sair dessa armadilha da repressão financeira, dos controles de câmbio, dos controles de capitais, para liberalizar um pouco e limpar um pouco o balanço do BC.
Milei não tem muito a perder, é um cara obstinado. Prometeu apenas blood, sweat and tears. Disse que isso vai ser difícil, vai ser muito difícil, get ready, but it’s the best hope you have.
Não vai ser fácil. Não tem nenhuma mágica para sair disso sem dor. Mas ele acredita firmemente que depois dessa transição o país vai chegar a um lugar muito melhor. É esse sonho que mantém a popularidade dele. Vamos ver.
E qual a sua visão em relação ao México? O que esperar do Governo de Claudia Sheinbaum?
Deu uma estressada. O México era aquela história redondinha, de política fiscal conservadora, endividamento público limitado, crescimento razoável, mercado de trabalho intacto, uma economia se beneficiando muito da resiliência da economia americana.
Na visão de mais médio prazo, tinha o benefício do nearshoring, da fricção geopolítica entre EUA e China. O México é um país competitivo, com baixos custos por unidades de trabalho, é um país próximo do maior mercado consumidor do mundo, é um país que tem o Tratado de Livre Comércio com EUA e Canadá. Então representava uma oportunidade muito grande de atrair investimento e aumentar o crescimento.
Agora, a eleição deu uma maioria qualificada ao Morena (o partido do presidente Andrés Manuel López Obrador) e aos aliados. Podem eventualmente introduzir mudanças na Constituição um pouquinho mais agressivas, mudanças que ameaçam os checks and balances e a separação de poderes.
Algumas pedidas deverão ter impacto fiscal, então isso tudo estressou um pouco o mercado. Mas o mercado ainda vê o copo meio cheio, não meio vazio. Antes o copo estava cheio. Mudou um pouquinho, foi adicionado um pouquinho de prêmio de risco.
Lá o que aconteceu é que a reação do mercado foi internalizada. O mercado não reagiu bem ao resultado da eleição e a Claudia Sheinbaum tentou baixar um pouco a temperatura, dizendo: ‘Sabemos por que vocês estão nervosos, vamos olhar um pouco essas reformas, as escolhas que foram feitas para as principais secretarias.’
Nomearam gente razoável, experiente, algumas com bom trânsito no mercado. Então, por ora, há ainda uma preocupação residual.
Voltando àquilo que aconteceu no Brasil, aqui a reação do ente público, em vez de tentar abaixar a temperatura, subiu a temperatura.
Lá a sinalização do mercado foi internalizada.