Quando o brasileiro-iraniano Abbas Abrarpour se mudou para Miami, em 1988, quem ‘fazia preço’ no mercado imobiliário local eram argentinos, brasileiros, colombianos e canadenses comprando second homes.

abbas abrarpour

“O cara que roubou um banco, roubou o Governo ou deu algum tipo de golpe vinha para a Miami e ficava quietinho aqui, esperando pegarem ele,” brincou Abbas, que empreende no setor imobiliário desde 2007. 

Mas da pandemia pra cá, tudo mudou.

Os preços de imóveis em Miami — e o custo de vida como um todo — foram para a estratosfera, turbinados por milhares de nova-iorquinos e californianos se mudando para a cidade em busca de impostos menores e qualidade de vida melhor.

A disparada nos preços tem afetado todos os estratos sociais.

Trabalhadores menos qualificados — conhecidos como workforce — pagavam até pouco tempo cerca de US$ 1.500 de aluguel por mês para morar em bairros como Wynwood, Doral e Little Havana. 

De uns anos para cá, esses US$ 1.500 viraram US$ 3.000, e essa população, sem ter como pagar esses preços, foi obrigada a se mudar para o Sul da cidade, alugando em regiões como Homestead e Florida City.

Com isso, muitas incorporadoras começaram a construir casas populares nessas regiões, vendendo a cerca de US$ 300 mil. (Numa espécie de Minha Casa, Minha Vida, o Governo americano chega a cobrir 105% do preço do imóvel — incluindo os custos de transação – e o comprador paga algo como US$ 1.800/mês em 30 anos). 

Abbas é um desses empreendedores. Sua incorporadora de multifamily properties já entregou 120 dessas casas e tem outras 490 em construção. O empreendedor também atua no mercado de luxo, comprando apartamentos para reforma e revenda. 

No mercado de luxo, a disparada nos preços de Miami foi ainda mais brutal: casas na beira d’água, antes vendidas a US$ 10 milhões, agora saem por US$ 25 milhões – e é comum um comprador, já na fase de contrato, ser atropelado por um outro interessado disposto a pagar um ágio de 5% a 10%. 

A inflação das casas tem a ver com a escassez: existem apenas 1.081 casas na beira d’água em Miami, e pouquíssimas delas estão à venda. 

“Eu tenho um vizinho que comprou a casa dele por US$ 6 milhões e vendeu ela por US$ 10 milhões em 2022 achando que estava fazendo o melhor negócio da vida dele. Hoje essa mesma casa vale US$ 20 milhões,” disse Abbas.

A onda migratória para Miami não tem a ver só com o clima perfeito o ano inteiro. Enquanto a cunha fiscal de quem mora na Califórnia e Nova York é ao redor de 50%, a Flórida não cobra state tax – apenas os impostos federais e o sales tax – tornando-se um destino atraente para quem tem patrimônio. 

A inflação nos imóveis de luxo tem ocorrido também nos apartamentos. 

Um empresário brasileiro comprou um apartamento em South Pointe há sete anos por US$ 5 milhões e já recebeu propostas de compra nos últimos meses por mais de US$ 15 milhões. Por enquanto, não pensa em vender, “mas se chegarem a US$ 18 milhões eu acho que vendo,” disse ele. 

O perfil dos compradores? “Invariavelmente, bilionários de tecnologia da Califórnia ou de finanças de Nova York.”

A Flórida não cobra o state tax, mas cobra um property tax de 2% do valor do imóvel, reavaliado a cada ano.  Ou seja, o IPTU do imóvel, que antes custava US$ 100 mil por ano, agora já custa US$ 300 mil.

Para este empresário, “Miami deixou de ser para brasileiros. Tudo triplicou ou quadruplicou de preços nos últimos anos – e não só os imóveis, todo o custo de vida.”

Um termômetro simples é o valet do Zuma, um dos restaurantes japoneses mais cobiçados da cidade. Antes da pandemia, estacionar o carro ali custava US$ 20. Hoje, sai por US$ 100 – e não se esqueça do tip, que continua obrigatório.

“Depois que houve essa invasão de nova-iorquinos, os preços mudaram mesmo,” disse Abbas. “Antes a gente dava uma gorjeta de US$ 10 para o manobrista. Os nova-iorquinos chegaram e dão logo US$ 50. Isso fez os valets perceberem que podiam cobrar mais também.”

Segundo ele, um restaurante perto de sua casa (em Coconut Grove) que cobrava US$ 28 por uma massa hoje cobra US$ 60 pelo mesmo prato. “E nos restaurantes bons, de primeira linha, a fila é gigantesca. Você precisa fazer a reserva com uma semana de antecedência – no mínimo!” disse ele.

Como os restaurantes estão lotados até a tampa, Abbas disse que os clientes locais e habitués perderam a majestade. “Se eles têm um nova-iorquino que chega e abre uma garrafa de vinho, outra de champagne, e gasta US$ 3 mil, porque eles vão se preocupar com quem frequentava antes?”

Outro termômetro da inflação galopante é o preço das vagas de barcos — um artigo indispensável para todo multimilionário que decide se mudar para a cidade.  

Uma vaga para um barco pequeno, que custava US$ 350/mês antes da pandemia, hoje custa US$ 1 mil. Já a vaga para um barco grande foi de US$ 1 mil para US$ 4 mil. 

Apesar da disparada nos preços, Cristiano Piquet — um corretor que atua há mais de 20 anos na cidade vendendo principalmente para brasileiros — diz que ainda é um bom momento para se fazer negócio. 

“Está ficando caro? Está. Mas vai ficar mais caro ainda,” disse ele.

Há 20 anos, quando Piquet lançou sua empresa num evento no Fasano de São Paulo, o flyer do lançamento promovia o mercado de Miami proclamando: ‘A hora é agora’. 

Para ele, o slogan continua atual. 

“Quem comprar hoje vai olhar para trás e falar: por que não comprei mais?” disse ele. “Os imóveis vão valorizar e o dólar vai continuar subindo, como vem subindo há mais de 20 anos.”

Pode ser papo de vendedor, ou pode ser verdade. Só uma coisa é certa:  Miami mudou, e o jogo agora é bruto.