O seguro daquele pied-à-terre em South Pointe ou daquele apartamentaço em Surfside está pela hora da morte.
Os preços dos seguros residenciais foram às alturas nos EUA – e os reajustes têm sido mais amargos nos lugares mais diretamente atingidos por furacões, enchentes e incêndios, que estão aumentando em intensidade e frequência.
O prêmio médio nos EUA deve subir 9% neste ano, depois de uma alta de 7% em 2022. Os reajustes têm ocorrido particularmente nos estados mais diretamente afetados pelos desastres climáticos, como Flórida, Louisiana e Califórnia.
A Flórida tem hoje os maiores custos de renovação de apólices, com um prêmio médio ao redor de US$ 6.000 ao ano – 42% acima do ano passado e o triplo do que era cobrado em 2019, segundo o Insurance Information Institute. O prêmio médio no estado é quase 4 vezes a média nacional, hoje em cerca de US$ 1.700.
Uma das razões para essa disparada na Flórida são catástrofes como o furacão Ian, um ano atrás, que deixou prejuízos de US$ 60 bilhões, cobertos pelas seguradoras.
A indústria de seguros dos EUA está num labirinto – e ninguém vê uma saída fácil.
Como a alta pesa no bolso dos proprietários, os reguladores e políticos locais reagem criando regras e tomando decisões que restringem os reajustes – o que afeta o equilíbrio financeiro das seguradoras.
A Farmers Insurance, uma das maiores seguradoras residenciais dos EUA, disse recentemente que não vai renovar um terço de seus contratos na Flórida, e que vai restringir suas vendas na Califórnia.
Já a State Farm, a maior seguradora residencial dos EUA, anunciou que não vai vender novas apólices na Califórnia. A Allstate, a quarta maior nesse segmento, está indo pelo mesmo caminho.
Outro agravante é que a Flórida lidera (de longe) no número de litígios relacionados aos contratos de seguros residenciais. A cada ano, os floridianos abrem cerca de 100 mil processos contra as seguradoras.
O estado responde por 9% dos valores segurados no país – e por 79% dos processos. Um dos motivos para isso, segundo os especialistas, é que as leis locais estão entre as mais generosas quanto ao pagamento das taxas de sucesso cobradas pelos advogados.
A regulação local também incentiva as fraudes, dizem os especialistas.
Quando passa um furacão, por exemplo, as empresas de reparos oferecem fazer o conserto em casas que foram apenas ligeiramente danificadas – sugerindo, por exemplo, trocar todo o telhado, em vez de algumas telhas. Essas mesmas empresas cuidam dos trâmites para conseguir o reembolso das seguradoras.
Quando as seguradoras negam a solicitação, o caso vai para a Justiça. E aí, muitas vezes, para não estender o processo por anos, as seguradoras acabam aceitando acordos.
É um ambiente de negócios hostil para as grandes companhias – e ainda mais para as menores. Nos últimos dois anos, oito seguradoras locais declararam falência, deixando os consumidores do estado com menos opções.
A Flórida aprovou recentemente reformas na tentativa de conter o número de litígios, mas é cedo para saber se elas vão funcionar.
Daniel Schwarcz, um professor de Direito da Universidade de Minnesota que estuda a indústria de seguros, disse ao New York Times que há uma extensa literatura acadêmica provando que o mercado de seguros seria mais eficiente se — em vez da regulação pesada que existe atualmente — os preços fossem livres. Hoje, na maioria dos estados americanos, as seguradoras são tratadas da mesma forma como concessionárias de serviços públicos: para aumentar seus preços, elas têm que obter aprovação regulatória do governo estadual.
O caso lembra também a regulação dos planos de saúde no Brasil. Os reguladores estaduais exercem um controle exacerbado sobre a precificação do setor, mantendo os preços artificialmente baixos ainda que o custo dos sinistros continue a aumentar (graças a furacões e tempestades cada vez mais devastadores e frequentes).
De acordo com o Insurance Information Institute, no agregado, a última vez que as seguradoras de ramos elementares tiveram um lucro na Flórida foi em 2016.